2 de dezembro de 2008

Deus e seus fiéis

FREQÜÊNCIA À IGREJA: Debandada de fiéis esvazia as igrejas e expõe desencanto religioso dos europeus. Durante os últimos dez séculos, um fluxo caudaloso de peregrinos manteve agitadas as grandes catedrais da Europa Ocidental. É irônico que no momento em que o cristianismo celebra seu segundo milênio o coração da civilização cristã esteja passando por um fenômeno bem diferente: a ausência de fiéis nos cultos, sejam católicos ou protestantes. Basta entrar numa catedral para perceber que há mais turistas fascinados pela arquitetura do que com fervor religioso. Enquanto os teólogos debatem as causas da debandada do rebanho cristão, os números comprovam que, se os europeus ainda rezam, o fazem longe da instituição.

· 67 % dos jovens espanhóis jamais vão a uma missa.

· 10 % dos franceses, belgas e alemães freqüentam a igreja católica.

· 10 % dos ingleses freqüentam a igreja católica, e só uma vez por mês.

· A cada ano, diminui em 50.000 a quantidade de ingleses que assistem às missas de domingo.

· Somente 3% da população de protestantes comparece aos cultos nos países escandinavos.

· Somente 54% dos jovens ingleses de 18 a 24 anos acreditam em Jesus Cristo.

· “Os europeus são agora uma das populações menos religiosas do mundo”, diz o reverendo anglicano Timothy Bradshaw, professor de teologia da Universidade de Oxford.

· Por outro lado, a religião católica está em expansão na América Latina e na África.

CRENÇA EM DEUS: Os europeus que deixam de ir aos cultos cristãos não mudam de religião nem viram ateus, o que explica o fato de o número de pessoas que acreditam em Deus (50% da população européia) ser muito maior que o das que freqüentam uma igreja. As pesquisas atuais sobre crença e religiosidade apontam números impressionantes, especialmente no continente americano. Estados Unidos e Brasil têm um forte traço em comum: cerca de 90% da população declaram acreditar em Deus. Os EUA são a exceção entre os países industrializados. Na Alemanha, o número dos que declaram crer em um Criador cai para 53%. Na Suécia, o número de crentes é o mais baixo do mundo desenvolvido: 36% da população.

O maior índice de crentes foi encontrado na Nigéria, onde 100% dos mil entrevistados declararam fé em uma força sobrenatural. O país também é que tem o maior percentual de pessoas que disseram freqüentar algo tipo de cerimônia religiosa: 91%.

A Grã-Bretanha é o país com a maior parcela de descrentes: 33% não acreditam em Deus nem em qualquer “poder superior”. Entre os sul-coreanos, o índice foi de 30%. Apesar dos britânicos liderarem o ranking entre os descrentes, os sul-coreanos são os que mais têm sentimentos negativos em relação a Deus ou a espiritualidade: 27% dos entrevistados. E 82% deles acham que a religião é “uma muleta para os ignorantes”.

A ciência hoje pode explicar coisas sobre as quais no passado só a religião tinha algo a dizer. “O crescimento econômico dos países está relacionado a quanto seus cidadãos acreditam em conceitos religiosos. Mas, paradoxalmente, quanto mais esses cidadãos freqüentam as igrejas menos os países crescem”. Dizem Robert Barro, professor da Universidade Harvard, e sua colega, a socióloga Rachel McCleary.

Deus sempre foi em boa parte um assunto privado, mas sua imagem e seu poder eram inoculados de fora para dentro do sujeito, da regra doutrinária da igreja para o mundo psicológico do crente. Hoje, Deus foi privatizado no sentido oposto: o crente constrói a imagem do deus que prefere, a partir de informações religiosas variadas, determina o poder que ele exercerá sobre sua vida e projeta essa imagem no espaço comunitário da igreja que escolheu, onde o padre ou o pastor organizará a confluência dos “deuses” de cada um num ritual único e associativo.

A SOBREVIVÊNCIA DA FÉ: Imagine-se um avião em plena pane com os passageiros crentes rezando para Deus. Mais delicada ainda seria a situação dos não‑crentes, enfrentando a possibilidade do fim apegando-se ao Big Bang, à Teoria das Cordas ou a lei da gravidade. Quem não consegue se ver em nenhuma dessas situações entende por que o Senhor de Barbas, o Deus Pai tradicional, ainda estará entre nós por um bom tempo, atestando a extraordinária sobrevivência da fé nos corações humanos. Entretanto, quem consegue, pode rezar simplesmente para que o piloto seja muito, muito bom.

“a idéia de que Deus é um gigante barbudo de pele branca, sentado no céu, é ridícula. Mas se, com esse conceito, você se referir a um conjunto de leis físicas que regem o Universo, então claramente existe um Deus. Só que Ele é emocionalmente frustrante: afinal, não faz muito sentido rezar para a lei da gravidade!”, dizia Carl Sagan.

“se o clero, judaico ou cristão, reconhecesse com Jesus a imanência de Deus e o caráter essencialmente bom e positivo da natureza humana; se reconhecesse de fato que o “reino de Deus está dentro do homem”, deixaria ele de ter função, deixaria de existir, cometeria suicídio existencial e funcional - assim como não podia haver ferreiros se não existisse o ferro. É necessário que Deus seja transcendente e que o homem seja pecador para que o clero tenha razão de ser, pois a função típica do clero consiste em destruir o pecado e pôr o homem da terra em contato com o Deus do céu. Se o homem não é visceralmente pecador e se Deus, em vez de habitar no céu, está dentro do homem - deixa o clero de ter um objeto “circa quod”, perde o ferreiro o ferro em que malhar. É certamente um teste de altíssima diplomacia eclesiástica o fato de ter o clero duma determinada igreja cristã projetado a idéia do homem pecador até para além das raias da morte física do homem, o que lhe faculta estender a sua função desempecadora para os ignotos domínios do além. O clero vive essencialmente da idéia do pecado. Negai o pecado - e tereis abolido o clero! Mas, como o clero deve existir, o pecado tem de ser afirmado... Eis porque Jesus era incompatível com o clero de seu tempo, uma vez que o Nazareno é o mais radical negador do pecado no sentido em que o clero, antigo e moderno, o entende - note-se bem: o pecado no sentido eclesiástico, teológico.” (Humberto Rohden)

Fontes:
Deus morto, Deus posto (Alcino Leite Neto)
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult682u43.shtml
Mercado e religião de mãos dadas, (Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicaçao)
http://www.metodista.com/cemetre/destaques/mercado_e_religiao_de_maos_dadas.htm
Europa sem Deus (CACP)
http://www.cacp.org.br/europa_sem_deus.htm

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