11 de dezembro de 2008

De volta ao jardin do éden

Diz uma fábula moderna que há um certo tempo atrás, na ilha de Xcrentão, dois irmãos gêmeos sofreram um violento acidente. Um era muito crente, o Xing e o outro era ateu, o Xang. Após um determinado tempo, encontram‑se diante do Todo-Poderoso para o julgamento final. Xing, o crente, foi julgado e condenado a viver eternamente no inferno. Já Xang, o ateu, foi julgado e condenado a viver para sempre no céu. Revoltado com a sentença, Xing interpela o Criador perguntando por que ele, um sujeito crente, que orava e cumpria todos os ritos religiosos, poderia ir para o fogo do inferno, enquanto seu irmão, um sujeito herege, poderia ir para o céu.

O Supremo‑Criador, com toda a sua sabedoria, responde ao crédulo rebelde, dizendo: há um ditado na cultura Xcrentã que diz que “mais vale um ateu trabalhando do que milhares de crentes suplicando”. Esta civilização sucumbirá, outras civilizações surgirão. Em todas elas haverá astutos, arquitetando deuses e religiões. Não sabem que é perfeitamente possível ser bom sem religião, não sabem que é bom ser bom. E, especialmente, não sabem que foram criados para jamais saberem da minha existência, quem sou. Se quisesse que tivessem esse conhecimento, teria mostrado minha “face” e minha “voz”, afinal, nada é impossível para mim.

Quem pensa que me conhece, não conhece nada de mim. Conhece o que idealizaram de mim, as imagens que construíram, ao longo do tempo, através de suas dúvidas e anseios. Criaram fábulas, mitos e religiões; administradores de consciências e de almas. Criaram deuses. São esses sagazes que formam os conceitos do bem e do mal, são eles que impõem seus anseios, suas idéias e seus pensamentos. São eles que articulam que existe uma alma que reencarna usando corpos distintos até chegar a uma vida perfeita. Quanta farsa, quanta hipocrisia. E vós que vos deixais enganar tão facilmente, talvez tenhais interesse em crer naquilo que vos dizem, não importando se é verdadeiro ou falso, não importando se é incoerente. Só vos importais em ser únicos, especiais e semelhantes a um criador. Só vos preocupais em alcançar a vida eterna, em ser um espírito de luz.

Talvez a idéia de um ser superior vos agrade porque vos dá a sensação de que existe alguém controlando vosso mundo inconsciente e irracional, o que vos acalma e vos faz acreditar que existe uma finalidade mesmo que não entendais qual é.

Muitos de vós imaginais que sou alguém, outros imaginam que sou algo. Muitos de vós imaginais que sou tudo, outros que sou nada. Quem está correto? Se não vos entendeis, não podereis achar respostas.

Dizeis que sou infinitamente inteligente. Se sou, então não penso. Pensamento é um processo pelo qual atingimos uma conclusão. Aquele que já sabe todas as conclusões, não pensa. Quando o conhecimento é perfeito não pode haver paixão, nem emoção. Dizeis que sou um infinitamente bondoso. No mundo há muito sofrimento; se eu, que poderia tirá-lo, não o tiro, onde fica minha bondade? Logo, eu não sou onipotente ou não sou bom. De qualquer modo, fico desacreditado.

Dizeis que sou um ser pessoal. Um ser pessoal, de acordo com vossa crença, tem o livre‑arbítrio, ou seja, o exercício livre e consciente da capacidade de discernir, escolher e julgar. Isso significa que antes de fazer uma escolha, deve haver um estado de incerteza durante o período de possibilidades: não pode saber o futuro. Se eu, como infinitamente inteligente, sei tudo, não pode existir um estado de incerteza. Isso significa que não tenho a liberdade de evitar as escolhas, portanto não possuo o livre‑arbítrio. Já que um ser que não possui o livre‑arbítrio não é um ser pessoal, um ser pessoal que sabe tudo não pode existir. Com esses e tantos outros axiomas existentes, podeis perceber que não há saída para mim. Nem eu sei que sou! Se não tomo decisões, pois não penso, como fica minha justiça? Se não tenho sentimentos, pois sou perfeito, como fica a minha bondade? Se posso evitar injustiças, crueldades, calamidades, sofrimento e não evito, como fica a minha reputação. Assim, se não penso, se não tomo decisões, se sou indiferente ao amor ou ódio, se sou indiferente à justiça ou injustiça. Se sou essencialmente neutro, para que existo?

Xing então, aproveitou sua estada no Jardim Celestial para averiguar os ensinamentos bíblicos: vida eterna, imortalidade da alma e o céu. Ficou decepcionado ao perceber que o além‑túmulo é consolidado de acordo com a fé de cada um. De que adiantou sua fé inabalável? Para que, se no final todos serão salvos? Lembrou-se de um filósofo da sábia cultura Xcrentã, que dizia: “no mundo religioso não existe meia-verdade: ou todos estão certos, ou todos estão errados”. A seguir, passou a conhecer os diversos setores celestiais (cerca de 390 céus). O céu dos católicos; dos hebreus; dos hindus; dos evangélicos; dos budistas; dos hinduístas; dos espíritas; dos umbandistas e, o céu dos mulçumanos.

No céu budista viu diversas almas libertando-se do karma de reencarnações, e atingindo o Nirvana. No hinduísta presenciou a transmigração de uma alma para o corpo de um animal. No mulçumano viu almas de intrépidos guerreiros deleitando-se com suas 72 noivas virgens. No céu católico viu anjos, querubins e serafins, formados de pura energia, espalhados por toda a parte e almas a espera da vida eterna. No umbandista enxergou almas convivendo com espíritos, orixás e guias. No evangélico presenciou almas aguardando a ressurreição. No céu espírita conheceu a existência de vários planos vibratórios, dos mais inferiores aos mais elevados. Assistiu espíritos transitando entre esses diversos planos.

Conheceu os Umbrais, zonas obscuras onde se encontravam entidades propensas ao mal. Num desses umbrais, dominado por um líder de alma poética, viu até violetas na janela. Viu umbrais onde as encarnações eram disputadas a custa de muita propina, em decorrência da lei da oferta e procura. Era enorme também o ágio para encarnar o corpo de filhos de celebridades.

Aproveitou ainda para avaliar a “comunicação com os mortos”. Tentou falar com seu irmão Xang. Foi-lhe dito que ainda não existia “comunicação com os vivos”. Estariam desenvolvendo pesquisas para daqui a mil anos, com a evolução sensorial da glândula pineal, enviar por ondas magnéticas, informações do mundo espiritual. A pineal captaria essas informações, como “um telefone celular”, e as transformaria em estímulos neuroquímicos audíveis.

E os médiuns, perguntou Xing. Os médiuns, pessoas que se dizem capazes de estabelecer relações entre os vivos e os espíritos dos mortos, muitas vezes são sinceros, mas cometem erros de interpretação. Os fenômenos que eles têm são psicológicos ou neurológicos, não incorporação de espíritos dos mortos. Assim como todos os curandeiros e videntes, formam uma legião em todo o mundo e costumam atrair muita simpatia do público, pois não raro se apresentam como gênios incompreendidos e perseguidos pela ciência. Sabeis que há muitos espíritos benfeitores, honestos e evoluídos. Se houvesse “comunicação com os vivos”, é claro que já teriam, além de só dar conselhos, desvendado crimes, revelado descobertas, teorias, vacinas ou curas. Ato contínuo, procurou em todo o Jardim pela alma de Xang, porém não a encontrou. Ao falar com o síndico do Jardim, este lhe explicou que, como seu irmão era ateu, a alma não foi para lá. Teria ficado no mundo da matéria, numa espécie de inconsciente coletivo. Disse-lhe para não se preocupar com isso, pois foram criados “clones” da alma de seu irmão e enviados aos céus que tivessem almas com afinidade à dele.

A idéia do Clone era perfeita, pois permitia que entes queridos pudessem se comunicar nos vários recantos do Jardim, nos diversos céus. Assim, a alma de um católico ou evangélico podia se comunicar com o “clone de uma alma” de um familiar ou amigo ateu. Era uma maravilha, todos, apesar de estarem em céus diferentes, podiam se comunicar. A comunicação era alma-a-alma, para almas de um mesmo céu e, alma-a-clone, para almas de céus diferentes.

Os clones, antes de serem enviados aos diferentes céus, passavam por um processo de “chipagem” para incorporarem as informações necessárias desses céus, sendo reciclados a todo o instante, com a chegada de novas almas. Finalmente podia dar início a uma comunicação com o clone da alma de Xang. Estava ansioso, pois tinha muito a dizer e não queria perder a oportunidade.

Nesse instante Xing desperta, compreendendo que passara uma semana em coma profundo. Só então percebeu a gravidade do acidente. Só então descobriu que perdera seu irmão Xang. Então ficou melancólico, pensando: tivera um sonho? Uma alucinação? Um pesadelo? Quem ministrou todos aqueles ensinamentos? Teria sido Deus? O espírito de seu irmão? Alguma alma penada? Passaram-se quatro meses e esses pensamentos ainda o atormentavam. Era extremamente difícil esconder a infelicidade que irradiava em seu semblante. Passava noites e noites em claro buscando respostas.

Não se conteve e chorou. Aí, percebeu o quanto seu irmão era bom. Uma pessoa humilde, dócil, justa, amiga e amorosa. Que culpa teria de ser incrédulo? Lembrou-se então de um mestre: “não sabem que é perfeitamente possível ser bom sem religião, não sabem que é bom ser bom”.

Começou então a buscar respostas. Encontrou dentro do armário de Xang uma extraordinária filosofia de vida. Encontrou a Bíblia, o Alcorão, o Toráh e o Evangelho Segundo o Espiritismo. Como poderia ele, sendo ateu, ler tantos livros religiosos. Encontrou também, livros de Sócrates, Platão, Voltaire, Shakespeare, Darwin, Ingersoll, Descartes, Lutero, Freud, Spinoza, Kant, Russel, Hobbes, Paley, Keats, Sagan e tantos outros autores. Como poderia ele ler todos esses livros. Seria ele um livre‑pensador? Uma vez lembrou‑se que discutiu esse assunto com o irmão. Lembrou-se também, quantas vezes lhe foi oferecido esses livros para ler. Lia apenas alguns capítulos, desprezando o restante da leitura. Só fazia questão de ler a Bíblia e seguir o ensino ditado pela sagrada Igreja. No fundo do armário, encontrou diversos ensaios de autoria de seu irmão. Começou a lê-los e então, ficou deslumbrado. Toda aquela filosofia difundida pelo Criador, quando estava em coma profundo, era de autoria de Xang, seu irmão falecido. Como pôde? Como chegou a ele? Seria um fenômeno paranormal? Telepatia? Comunicação espiritual? Seria Deus? O que seria?

A resposta a essas perguntas Xing nunca obteve, porém o acontecimento mudou radicalmente o seu modo de vida. Só então compreendeu o quanto era egoísta, mesquinho e bitolado. O quanto perdeu por não ouvir seu irmão. O quanto perdeu com sua crença obtusa e nefasta. Então começou a ler e reler todos aqueles livros e, sobretudo, os ensaios de seu irmão falecido. Estudou a respeito do livre‑pensamento.

Os anos passaram, Xing era uma nova pessoa. Já não freqüentava regularmente cultos religiosos. Visitava socialmente à igreja em casamentos e acontecimentos especiais. Passou a ser um livre‑pensador. Aboliu o deus dos teólogos, adotando um deus que ele próprio concebeu. Aprendeu a diferença entre ser religiosidade e espiritualidade. Num ensaio encontrado, leu a respeito de espiritualidade. Dizia: espiritualidade, que nada tem haver com religiosidade, é a capacidade inata do homem de buscar sentido na vida e no universo, produzindo em nós uma mudança interior. Refere-se à relação intangível que temos com o sublime. É o sentimento que suscita beleza e verdade, que cria a arte e a ciência. É o sentimento que surge da humildade, da sensação de espanto e admiração pela estrutura do universo, da vaga sensação que há “algo” além da realidade superficial da experiência cotidiana, chamado de sentimento de reverência pela natureza, fascínio e respeito por sua profundidade, beleza e sutileza.

Passou a compreender o antagonismo entre ciência e religião. A ciência não explica o porquê das coisas. Ela apenas nos mostra como o mundo é. Como processo de conhecimento racional e objetivo, a ciência não é guiada por valores. Ela exige uma mente aberta, totalmente limpa de pré‑conceitos. É por isso que ela é um processo libertador. Pois a produção de ciência de verdade pressupõe ausência total de apego àquilo que possamos “sentir” que é verdade; ao que queiramos acreditar que seja verdade, ou que nos programaram para pensar que é verdade.

Na ciência o processo é mais importante que o resultado. Cientista de verdade aceita qualquer resultado que tenha sido obtido através do processo. Não há nada em ciência a ser defendido à priori. O cientista pesquisa até achar a verdade. O religioso quer que a verdade se adapte às suas idéias preconcebidas. O cientista muda de idéia conforme os fatos. O religioso tenta adaptar os fatos às suas idéias.

A dificuldade da ciência não é a matemática, não é a complexidade técnica dos assuntos que ela investiga, não é a dificuldade intrínseca. É a necessidade de uma mente aberta, livre. Isso é que a maior parte de nós não tem. Fomos parasitados. Não nos livramos de preconceitos plantados em nós por processos educacionais ou ideológicos viciantes. Temos bandeiras a defender, temos ideologias pelas quais lutar, temos as crenças. Crenças que na religião impedem a construção do conhecimento porque parte de conceitos apriorísticos, não como hipóteses, mas como verdades acima de qualquer questionamento. Isso é o oposto da ciência. Deste modo, usar a ciência para justificar a existência ou não de uma crença nunca vai dar certo. Além do mais, a ciência não consegue lidar com questões morais. Ela se limita apenas a descobrir as conseqüências de cada comportamento, mas não tem como decidir se elas são boas ou más.

Estudou o deus de Darwin, o deus de Newton, o deus de Spinoza e o deus de Einstein. Começou a abandonar o caráter antropomórfico de deus, um “ser” criado pelos homens, conforme raça, cor e costumes, a sua imagem e semelhança, que está observando a todos, a toda hora. De outra maneira, passou a entender e compreender a necessidade das crenças, do apego ao próximo, da bondade e da solidariedade, instintos básicos no homem para a perpetuação da espécie, juntando nossos genes para que estes sigam pela eternidade afora. Perpetuar a espécie, é propagar os genes, é ter filhos, é prepará-los para a vida, é vê-los crescer saudáveis e felizes, é cuidar e ajudar os semelhantes. É ter a esperança de ver familiares e amigos continuarem sendo sempre aquele refúgio que recorremos nas horas difíceis; de ver o sol, a lua, o ar, a água e a terra; de ver a natureza preservada para as gerações futuras. Esta é a razão pela qual amamos a vida, amamos o sexo e amamos as crianças. Por isso somos solidários.

Por outro lado, a idéia do homem ser extremamente egoísta e mau, inquietava Xing. Leu em Santo Agostinho que “o amor humano é extremamente egoísta, chega mesmo a renegar Deus por amor a si próprio”. Em Gênesis: “porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça e tu armarás traições ao seu calcanhar”. Em Eclesiástico: “há amigos em certas horas que deixarão de o ser no dia de tua aflição; há amigo que se torna inimigo; há amigos que deixarão de o ser no dia de tua desgraça”.

Teólogos afirmam que o que chamamos mal é para nosso próprio benefício, que nós fomos colocados neste mundo de tristezas e pecado para desenvolver o caráter. Já os Espíritas, dizem que vivemos num mundo de expiações e de provas, onde a maioria dos seus habitantes são espíritos atrasados, orgulhosos e egoístas. Por isso, em toda a parte o forte vivendo do fraco, o superior do inferior. Por isso, em todo lugar, assassinatos, dor, doenças e morte. Morte que leva a mãe da criança desamparada; morte que enche o mundo com tristeza e lágrimas.

Precisamos de tudo isso para desenvolver o caráter? Para expiar? Como explicar estas coisas? Sabemos que a vida é boa. O sol brilhando e a chuva caindo. Então, o que dizer das enchentes e terremotos. Não podemos esquecer a saúde e o amor. Mas, e as epidemias, as guerras e a fome? Não podemos harmonizar todas estas contradições, estas bênçãos e agonias, com a existência de um ser de infinita bondade. Se Deus é amor, bondade, por que o sofrimento, as guerras e a violência? Por que os criminosos, os deformados e os idiotas? Como compreender? Qual o significado? Quem pode responder? As respostas oferecidas pelas doutrinas religiosas não satisfaziam Xing. Eram sempre afirmações emanadas pela fé, sempre apontando para o dissimulado, o enigmático, o incognoscível.

Buscou então respostas nos livros e apontamentos de Xang. Encontrou os ensinamentos que necessitava. Eram embasados no conhecimento científico, no evolucionismo, nos grandes filósofos humanistas, iluministas e utilitaristas. Só então compreendeu e aceitou a tudo isso. Lá estava registrado: “no princípio era o verbo”. Ou melhor, no princípio era o gene. Enquanto a coisa se resumia a isso, estava tudo bem. O problema foi a ordem que veio depois: “crescei e multiplicai‑vos”. Esta ordem domina o movimento da vida, mas parece que Deus não percebeu direito suas conseqüências. A principal delas, é o mais desenfreado egoísmo. Um egoísmo genético, que nos torna prisioneiros de dilemas sem fim. Que nos faz jogar jogos em que vencer não tem nada a ver com o que consideramos vencer. O DNA, Deus não anteviu. E por ter notado sua desatenção, logo em seguida tentou consertar. Inspirou religiões, códigos de conduta, mandamentos e livros sagrados. Mas não adiantou, o DNA já havia registrado a ordem.

Daí um mundo estranho e perverso. Daí um ser humano demasiadamente egoísta, um homem que é o “lobo do homem”. Daí o porquê tantas guerras, tanta malícia e tanta crueldade. Nossas mentes não foram criadas para encontrar o sentido de sua existência no mundo, e sim para garantir a sobrevivência dos genes. Se por acaso nos tornamos especulativos e insistimos em filosofar, “é totalmente por nossa conta e risco”. Por isso tanta incongruência. Como somos tão evoluídos e não conseguimos entender o sentido da vida? Parece que sempre falta uma explicação mais convincente, que dê conta de nossas angústias.

Alguns afirmam que o homem é mau por natureza, outros preferem dizer que o homem nasce bom, é a sociedade que o corrompe. De um modo ou de outro, a evolução fez com as regras de conduta fossem codificadas, a fim de tornarem-se iguais e mais justas a todos. “O homem é bom por natureza, é sociedade que o corrompe”, dizia Rousseau. “O homem é mau por natureza, e a sociedade é quem o disciplina”, dizia Hobbes. O homem não é bom nem mau, simplesmente é homem, dirão uns. O homem é a imagem e semelhança de Deus, então ele é bom, dirão outros.

Sigmund Freud via o homem como um ser mau por natureza. No entanto dizia que o único sentimento capaz de unir os homens era o afeto. Esse afeto que é capaz de unir os homens não nasce no coração do homem, mas nas relações sociais. É um sentimento que brota nas interações, por isso ele une, porque nasceu da união e precisa dela para existir. Nascendo nas interações, pode posteriormente fazer morada no coração humano. O afeto não nasce no coração, mas é no coração que ele cresce.

Thomas Hobbes dizia que é de sua natureza, o homem, ser egoísta, mau e constituído por um “eterno e irrequieto desejo de poder e mais poder”. Um determinismo mecanicista regeria a atividade psicológica do homem, o livre‑arbítrio não passaria de ilusão: seria apenas uma expressão destinada a ocultar a ignorância das verdadeiras causas das decisões humanas. E por ser mau, precisa de leis, normas, polícias, religião e educação, para manter na linha o lado sombrio da sua natureza humana.

Muitos pensam que sem religião não há moral, entretanto, havia moral muito antes de haver religião. Os filósofos primeiros eram materialistas assim como os homens primitivos. Depois, como disse Voltaire, “o primeiro esperto encontrou o primeiro tolo” e a religião começou. Filósofos escreveram explicando porque é bom ser bom. “A vida reta é garantia da liberdade”. Esse pensamento não cita deuses. E é um dos provérbios de Salomão.

Somos animais sociais. Nossa sociabilidade é o resultado de evolução, não de escolha. A seleção natural nos equipou com um sistema nervoso que é peculiarmente sensível ao estado emocional de nossos semelhantes. Está em nossa natureza sermos felizes no meio de felicidade, tristes no meio de infelicidade. Nós temos um sistema nervoso de animais sociais, nós somos geralmente mais felizes na companhia de nossos semelhantes do que sozinhos.

Darwin, durante a evolução humana, afirmou em “The descent of man” que, à medida que a capacidade de raciocínio e previsão se aperfeiçoam, os homens não tardariam a aprender por experiência que se ajudassem seus iguais, normalmente receberiam ajuda em retribuição. Por esse motivo mesquinho o homem talvez tivesse adquirido o hábito de ajudar seus iguais. E, o hábito de praticar boas ações certamente fortalece o sentimento de solidariedade, que dá o primeiro impulso às boas ações. A gratidão faz as pessoas pagarem os favores sem pensar muito que é isto que estão fazendo. E se sentimos mais compaixão por determinadas pessoas (a que somos gratos), isto pode nos levar, quase que inconscientemente, a retribuir o ato de bondade. Enquanto na seleção de parentesco o objetivo de nossos genes é realmente ajudar outro organismo, no altruísmo recíproco o objetivo é deixar aquele organismo sob a impressão de que o ajudamos; a simples impressão é suficiente para suscitar a retribuição.

Darwin acreditava que, em um universo que até onde nós sabemos é ateu, um bom lugar para encontrarmos orientação moral é o utilitarismo. A idéia do utilitarismo é simples: as linhas mestras fundamentais do discurso moral são prazer e a dor. As coisas podem ser consideradas boas na medida em que aumentam a felicidade no mundo e más na medida em que aumentem o sofrimento. A finalidade de um código moral é maximizar a felicidade total no mundo.

O fundamento do utilitarismo consiste, em sua maior parte, de uma simples afirmação de que a felicidade, sendo todo o resto igual, é melhor do que a infelicidade. Em princípio, conduzimos nossas vidas como se a felicidade fosse o objetivo do jogo (até as pessoas que praticam uma rigorosa abnegação geralmente o fazem em nome de uma futura felicidade, seja aqui, seja no além). E uma vez que cada um de nós admita que, sim, acreditamos que a felicidade é basicamente algo de bom, algo que não gostamos que seja pisoteado sem razão, torna-se difícil negar aos demais o mesmo direito sem parecer um tanto arrogante. Na regra de ouro de Jesus de Nazaré, “fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem, e amar ao próximo como amamos a nós mesmos”, temos o ideal de perfeição da moralidade utilitarista.

Darwin acreditava que o homem descobriria segundo o veredicto de todos os sábios, que a maior satisfação é obtida pelo exercício de certos impulsos, ou seja, dos instintos sociais. Se agisse pelo bem de outros, receberia a aprovação de seus semelhantes e conquistaria o amor daqueles com quem convivesse; e esta última recompensa sem dúvida é ao maior prazer na terra. Contudo, a razão pode ocasionalmente lhe aconselhar a agir de forma contrária à opinião dos outros, cuja aprovação ele, então, não receberá; mas, ainda assim, terá a firme satisfação de saber que seguiu seu mestre mais íntimo, sua consciência.

Xang se foi..., a Xing restou apenas a nostalgia de um passado em comum. Porém, agora sabia que a imortalidade é uma conseqüência da evolução. É através dos genes que somos imortais, porque os genes não morrem. Os indivíduos são passageiros, mas os genes são para sempre. Eles carregam consigo toda uma herança genética, desde a mais remota cadeia da vida biológica sobre a terra. Não são destruídos pela recombinação, simplesmente trocam de parceiros e seguem em frente. Os genes são a nossa essência imortal, a VIDA ETERNA. Levamos em nossas células as memórias de nossos ancestrais, seus instintos, a personalidade, a individualidade consciente de todos os que participaram na formação do nosso corpo. O conhecimento pretérito, apenas parece ser de “vidas passadas”, mas em verdade decorre da memória incorruptível dos genes, constituída por bytes, bytes e mais bytes de informação digital pura.

Compreendeu então que seu irmão Xang é imortal. Compreendeu então que a crença na imortalidade da alma, comum a quase todas as religiões, não passa da percepção, em nível consciente, da imortalidade dos genes. Nossos corpos efêmeros, portadores dos genes imortais, não passam de carapaças descartáveis que são deixadas pelo caminho, enquanto os genes caminham, triunfalmente, atravessando gerações, rumo a um futuro desconhecido. A vida segundo essa concepção é totalmente centrada na replicação do gene (DNA), é isso o que a esgota completamente. Essa é a finalidade da vida para a biologia; o propósito da existência para o DNA: continuar existindo através de cópias que ele fabrica.

É claro que a vida não se resume só a isso. Somos seres emotivos e frágeis, uma estranha mistura de ódio, medo e ternura. Imensamente insaciáveis, invejosos, agressivos, ciumentos, inquietos e amedrontados, com ocasionais lampejos de alegria e afeição. Somos ao mesmo tempo a violência e a paz. Temos medo do fracasso, da rejeição, da morte e do desconhecido. Como seres humanos, vivendo neste mundo assombroso e majestoso, necessitamos do imaginário das crenças.

Continuaremos a depender delas. É através delas que damos sentido à nossa existência. Somos produtos do meio social, de seus costumes, de sua cultura. Assim também são nossas crenças (alma, anjos, deuses, duendes, espíritos, fadas e extraterrestres), fruto da ânsia de sermos imortais. Somos um misto de herança genética, bagagem psicológica adquirida ao longo da vida, experiências e formação. Somos comandados a todo instante por nossos instintos animais: fome, sede, frio, calor, sexo, medo, insegurança e, pela nossa permanente busca da felicidade.

Quem somos, de onde viemos e para onde vamos? Quanto mais respostas temos, mais perguntas aparecem. Nunca deixaremos de fazer perguntas. Queremos e necessitamos crer. Jamais aceitaremos o acaso como nosso pai e a natureza cega como nossa mãe. “Sempre acreditamos naquilo que queremos acreditar”. Esse pensamento ficou atormentando a mente de Xing. Não seria agora ele também, vítima de sua própria crença?

Talvez, mas agora pelo menos estava livre. Livre dos demônios e dos monstros alados da noite. Livre para abandonar os livros sagrados que líderes incompetentes e interesseiros produziram. Livre das bárbaras fábulas do passado. Livre do medo do sofrimento eterno. Nesse momento, entrou em sua mente o discernimento, o sentimento e a alegria da liberdade. Não se sentia mais escravo, estava livre. Pela primeira vez sentiu-se livre. Livre para refletir. Nesse momento, a humildade floresceu...

Fonte:
De Volta ao Jardin do Éden
http://www.corifeu.com.br/index.asp?secao=23&categoria=40&subcategoria=0&id=37

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