28 de abril de 2009

Projeção astral

“Se me pedirem para provar que Zeus, Poseidon, Hera e o resto do Olimpo não existem, estaria perdido até achar argumentos convincentes”. E diria mais, “Se já é difícil provar a existência de algo que existe, imagine provar a inexistência de algo que inexiste”. (Bertrand Russell)

Você está sonhando. De repente, sente-se flutuando acima de seu corpo. Viaja por vários lugares, encontra pessoas (vivas e falecidas!) e depois volta sem problemas para o seu corpo. Esta é a descrição do que muito chamam de “projeção astral”. É a separação da consciência de uma pessoa do seu corpo, permitindo à pessoa viajar sem levar o corpo. A projeção astral exige que acreditemos que:

1) a consciência é uma entidade separada do corpo e que pode existir sem o corpo, pelo menos em durante curtos períodos de tempo;

2) que a consciência sem corpo consiga “ver”, “ouvir”, “sentir” e “cheirar”.

A crença de que a mente e o corpo podem ser entidades separadas e possam existir separadas do corpo é a base da visão ocidental tradicional da imortalidade da alma. Na visão tradicional, temos que morrer para a alma poder viajar, e mesmo assim os destinos estão limitados ao céu ou ao inferno. Na visão mística da Nova Era (do inglês New Age) podemos levá-la onde quisermos e não temos que morrer para isso. Que fantástico!

Se a viagem astral existisse, como seria a viagem de um psicopata? De um pedófilo? De um tarado sexual? De um perverso? Existiriam barreiras morais? Limites? Quem estabeleceria essas barreiras ou limites? Espíritos superiores? O homem? A religião?

A neurologia tem demonstrado que todas as nossas capacidades cognitivas estão no cérebro. Não existem evidências científicas de que se possa sair do corpo, voando por aí, por mais que a idéia seja tentadora. Nossa consciência ao que tudo indica está em milhões de células de nosso cérebro, sem a possibilidade dela se desligar de nosso corpo e se religar novamente.

A consciência é fruto da evolução do sistema nervoso. Percepções, individualidade, linguagem, idéias, significado, cultura, escolha (ou livre arbítrio), moral e ética, todos existem em decorrência do funcionamento cerebral. Nós só podemos pensar com o nosso corpo e nossas emoções. A percepção das emoções é a base daquilo que os seres humanos chamam, depois de milênios, de alma e de espírito.

O neurologista português Antonio Damásio propõe uma base biológica para alegria, tristeza e religião. Sentimentos nada mais são do que representações altamente elaboradas do estado de equilíbrio do organismo. Alegria, tristeza, empatia, orgulho, são todos, em maior ou menor medida, derivados de uma idéia que o cérebro faz do funcionamento do corpo. Existem áreas definidas no sistema nervoso onde essas representações são geradas. A proposta está delineada em “Looking for Spinoza: Joy, Sorrow and the Feeling Brain” (Procurando Spinoza: alegria, tristeza e o cérebro que sente), mais recente e mais ousado livro do neurologista da Universidade de Iowa, lançado neste ano nos EUA.

Há, por vezes, receio de que a investigação científica possa levar a uma “desmistificação” da consciência humana. De fato, são inúmeras, e não triviais, as consequências da conceituação da consciência como fenômeno natural. Uma delas, talvez a mais importante, refere-se à percepção que o ser humano tem de si próprio e de seus semelhantes: teme-se que a concepção da consciência como resultado de um processo biológico corresponda a uma “profanação do espírito humano”, com consequente abandono do comportamento moral e ético.

O fato do Eu acontecer no corpo tem implicações imensas sobre várias das crenças comuns de nossa cultura. Qualquer permanência ou existência do Eu sem o seu corpo não tem sentido, inclua-se aí, pelo menos numa acepção mais primária, o conceito de “vida após a morte”.

Parte substancial desse viés dualista deve-se a dogmas que estabelecem uma separação entre o espírito e o corpo. Em seu livro “O erro de Descartes”, Antonio Damásio questiona-se: ao afirmar “penso, logo existo”, Descartes não estaria reconhecendo a superioridade da razão e do sentimento consciente, sem compromissos no que se refere à sua origem, substância ou permanência? Isto é, não estaria Descartes afirmando que pensar e ter consciência de pensar é que constituem os verdadeiros substratos da existência? Damásio pergunta-se, ainda, se essa famosa frase de Descartes não se constituiu numa estratégia de redação para evitar as fortes pressões religiosas da época. E finaliza referindo-se à inscrição escolhida por Descartes para sua lápide: “Aquele que se esconde bem viveu bem”, como uma possível indicação de contestação discreta ao dualismo.

Seria fácil provar a viagem astral, se essa realmente existisse. Existe método científico para isso. No entanto, tudo o que temos são apenas testemunhos. Método científico é uma forma de investigação da natureza. Para isso, não leva em consideração superstições ou sentimentos religiosos, mas a lógica e a observação sistemática dos fenômenos estudados. Os cientistas criam, então, um conjunto de teorias baseadas nesses estudos e observações, e essas teorias são sujeitadas a uma seleção natural, até que se chegue a uma explicação satisfatória para os fatos observados. Essa teoria deve ser consistente com os fatos. Teorias científicas não são meros palpites ou especulações. Uma teoria deve se prestar a explicar as observações e deve poder fazer predições, tendo como conseqüência de sua legitimidade a sua aplicação e aceitação.

Portanto, por mais que esta crença seja atraente, ela não possui fundamento científico. Portanto, desconfie de qualquer pessoa que se apresente como “especialista em viagem astral”, “especialista em projeciologia” ou , que tente lhe ensinar como “viajar para o astral”. Qualquer suposto ensinamento de tais técnicas é pseudocientífico, sem embasamento em fatos reais. Muitas pessoas adquirem estes ensinamentos e, como têm um forte desejo de “viajarem no astral”, acabam tendo sonhos aonde se sentem como se estivessem viajando fora do corpo.

Recentemente, Francis Crick, Cientista, um dos descobridores da hélice dupla do DNA, publicou uma pesquisa atribuindo a consciência humana a um grupo de neurônios. A comprovação também representaria a conclusão de anos de pesquisas sobre a consciência. Numa pesquisa anterior, ele dissera: “A crença da ciência é que nossas mentes - o comportamento de nossos cérebros - podem ser explicadas inteiramente pelas interações das células nervosas.” A nova pesquisa de Crick indica que ele provou sua teoria. O ensaio baseia-se em anos de experiências, incluindo estudos de pacientes com danos cerebrais, testes com animais e pesquisa psicológica. Alguns dos dados mais relevantes vêm do uso terapêutico de minúsculas sondas no cérebro de epilépticos para avaliar seus ataques. O estudo descreve como partes distintas do cérebro interagem para gerar a consciência. “Pela primeira vez, temos um esquema coerente para as combinações neurais da consciência em termos filosóficos, psicológicos e neurais”, diz o ensaio.

“A verdadeira consciência pode ser expressa meramente por um pequeno grupo de neurônios, em particular aqueles que se estendem da parte de trás do córtex para partes do córtex frontal.” Christof Koch, professor de neurociência no Instituto de Tecnologia da Califórnia e co-autor da última pesquisa de Crick, afirmou: “Está claro que a consciência surge de reações bioquímicas dentro do cérebro.”

Assim, todos os fenômenos que geram a mente, o pensamento, a consciência e o Eu tem base material e são conseqüências de complexos processos físico-químicos, que têm lugar em nossos corpos. O Eu é parte indissociável do corpo. Existe e acontece nele. A própria sensação de dissociação tão comum a todos nós - a sensação de que “eu habito meu corpo”, como se o corpo fosse um lugar no qual o Eu está e eventualmente pode sair - é parte dos processos materiais que devem ser explicados por uma teoria da mente.

FONTES:
A Alma não Existe (por Darlene Menconi)
As Células da Alma (por Jonathan Leake - The Sunday Times)
A Razão dos Sentimentos (por Cláudio Ângelo - Folha de SP)
Consciência (por Alexandre de Campos, Andréa dos Santos e Gilberto F. Xavier)
Método Científico (por Francisco Saiz)
Quem Sonha com Ovelhas Elétricas? (por Mario Barbatti)
Viagem Astral (por Aurélio Moraes)

16 de abril de 2009

Feitiço e feiticeiros

A morte, a doença e a paixão abalam profundamente as pessoas, chegando a ponto de perderem a razão e o discernimento. Nessas circunstâncias, entram em ação os videntes, hábeis manipuladores que jogam com o medo e a esperança das vítimas, as quais raramente percebem quão habilmente são iludidas e manipuladas.

De um lado, um “cliente” fragilizado e sincero, que PERDEU A FÉ NA SUA FÉ. Do outro lado, um “profissional” com um vasto conhecimento de uma tradição milenar, ardiloso, que usa a “leitura fria” como método.

LEITURA FRIA é uma estratégia usada por manipuladores para fazer com que uma pessoa se comporte de uma certa forma, ou a pensar que os que fazem a leitura têm algum tipo de capacidade especial que “misteriosamente” permite que saibam coisas sobre um acontecimento. O manipulador faz uma meticulosa observação da vítima e utiliza também conhecimentos estatísticos e gerais da natureza humana.

Começa a interagir com a vítima, fala o óbvio de um modo enigmático ou interrogativo e observa cuidadosamente a reação da pessoa (“joga verde”): você está deprimida! alguém a deixa muito infeliz... E a vítima prontamente responde: é meu filho! Começa falando sobre generalidades e em pouco tempo já está adivinhando detalhes íntimos da vítima. Na verdade é a vítima quem está revelando tudo, o vidente apenas traduz a linguagem em um português nem sempre bem clara. Fazendo perguntas vagas e obtendo respostas sinceras, conseguirá ao final dar um veredicto do caso.

VEREDICTO: Conforme sua formação religiosa e/ou espiritual dirá que é: o karma; um feitiço; o demônio; um encosto, etc.

TRATAMENTO: Conforme sua formação religiosa e/ou espiritual recomendará: um trabalho espiritual; um desmancha feitiço; um exorcismo; uma unção; muita reza; um desencosto.

OBSERVAÇÃO: Seja qual for o tratamento a ser seguindo, o vidente solicitará que prossiga com o tratamento médico prescrito (é indispensável). Assim, se o paciente tiver o sucesso desejado, ficará em dúvida se foi a medicina ou a quiromancia quem o curou. Se o tratamento for de difícil solução, solicitará mais “trabalhos” e mais rezas. Se não tiver a solução esperada, dirá que é ou foi o karma; um feitiço bem feito; que Deus assim quer ou quis; que é ou era seu destino; e assim por diante. Além do mais, para que procurar um intermediário (vidente) se Deus é onisciência, onipotência e onipresença e benevolência?

POR QUE OS “TRATAMENTOS” PARECEM FUNCIONAR: Muitos métodos dúbios permanecem no mercado principalmente porque satisfazem consumidores que oferecem testemunhos de seu valor. A seguir algumas razões pelas quais as pessoas podem erroneamente concluir que um tratamento ineficaz funciona:

1. A doença pode ter seguido seu curso natural. Muitas doenças são autolimitadas. Se a condição não é crônica ou fatal, os processos de recuperação próprios do corpo normalmente restauram a saúde do doente.

2. Muitas doenças são cíclicas. Certas condições como artrite, esclerose múltipla, depressões, alergias e problemas gastrointestinais normalmente tem “altos e baixos”.

3. O efeito placebo pode ser o responsável. Através da sugestão, crença, expectativa, reinterpretação cognitiva e desvio da atenção, os pacientes que recebem tratamentos inúteis biologicamente freqüentemente experimentam alívio mensurável. Algumas respostas placebo produzem mudanças reais na condição física; outras são mudanças subjetivas que fazem os pacientes se sentirem melhores mesmo que não haja nenhuma mudança objetiva na patologia de base.

4. O diagnóstico ou prognóstico original pode ter sido incorreto. Terapeutas treinados cientificamente não são infalíveis. Um diagnóstico errado, seguido por uma visita a um santuário ou a um curandeiro “alternativo”, pode levar a testemunhos inflamados de cura para uma condição que teria se resolvido sozinha. Em outros casos, o diagnóstico pode ser correto, mas o prognóstico, que é inerentemente difícil de se prever, pode mostrar-se impreciso.

5. Melhora temporária do humor pode ser confundida com cura. Curandeiros alternativos freqüentemente possuem personalidades fortes, carismáticas. Até o ponto que os pacientes são levados pelos aspectos messiânicos da “terapia alternativa”, o que pode ser seguido por uma melhora psicológica.