17 de novembro de 2009

A natureza não é cruel

Às vezes dizemos que tudo que vem da natureza é lindo e bom. Que existe um justo equilíbrio. Mas, assistindo aos ataques de animais selvagens, verificamos que esse equilíbrio só ocorre em cima de quem é mais fraco ou doente. É de dilacerar o coração ver imagens de animais lutando pra sobreviver, sendo literalmente comidos e agonizando. Muito sofrimento em cima de quem deveria ser amparado. Mas sempre funcionou assim, mesmo por que os animais precisam comer. No mundo animal o mandamento “NÃO MATARÁS” não funciona!

No livro “Os Dentes da Galinha”, STEPHEN JAY GOULD fala que o maior desafio dos que queriam provar a bondade divina de deus na natureza não eram os carnívoros e sim algumas espécies de marimbondos. Alguns marimbondos, através de um longo ovopositor, injetam ovos dentro de outros insetos (larvas, aranhas, lagartas) e juntamente com o ovo injetam uma droga paralisante. Quando o ovo eclode a larva do marimbondo vai devorando seu hospedeiro de dentro para fora (fez analogia ao filme Aliem). O autor conta que a larva chega ao ponto de evitar os órgãos vitais para manter seu hospedeiro vivo e fresco o maior tempo possível. Ao final, apenas existe uma cápsula vazia onde antes era um animal. Ele também relata que algumas espécies depositam não apenas um ovo mais milhares. Em uma passagem relata sobre uma lagarta se contorcendo com cerca de 3.000 larvas devorando-a por dentro.

Parece que realmente deus foi muito inspirado e benevolente quando criou tais seres. Entretanto, reconhece-se que é apenas uma visão deturpada da natureza, feita com valores humanos, motivada em um código ético e moral de um deus antropomórfico, criado pelo homem, justo e bondoso. É o homem olhando para a natureza e querendo interpretá-la como nela existissem todas as características que ele possui (amor, ética, compaixão, caridade, ódio).

A natureza pode realmente ser cruel, mas essa crueldade não é a maldade que nós seres humanos (almados) às vezes praticamos. Como disse o Gengis Khan, essa é a lei, os seres vivos só conseguem obter a energia para sobreviver se alimentando de outros.

É certo que pode ser comovente ver um animal mais forte matar e devorar um mais fraco, mas eles não fazem isso porque querem, isso é instinto, não maldade.

Retirado do Livro “Os Dentes da Galinha” - Stephen Jay Gould

16 de novembro de 2009

Provas do além

JUSTIÇA VALIDA CARTA PSICOGRAFADA: A carta psicografada usada na defesa de uma mulher acusada de mandar matar um tabelião em 2003 foi validada pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) em 11/11/2009. Para o desembargador Marco Antonio Ribeiro de Oliveira, que presidiu a sessão, havia provas para a absolvição e condenação, cabendo aos jurados decidirem. Na mesma linha, o desembargador José Antonio Hirt Preiss ressaltou que o júri entendeu não haver provas para a condenação. Como os jurados não fundamentam seus votos, é improvável que se descubra o real peso da carta psicografada.

ESTADO LAICO: Dentro do universo jurídico, não há nada de errado na atitude da Justiça. Nada impede que cartas psicografadas sejam usadas como provas judiciais, assim como não há nenhum problema de o réu jurar pela Bíblia que não cometeu o crime ou ainda justificar seu ato como uma obrigação de fé. Para os especialistas, lançar mão de argumentos religiosos não viola a característica laica do Estado Brasileiro. Apenas confirma. “Dizer que o Estado é laico significa dizer que ele não tem religião oficial, e não que ele não aceita a religião”, explica Maurício Zanóide, advogado criminalista e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). No entanto, considera que a carta não pode ser usada como única prova já que depende exclusivamente da fé. Afinal, não há argumentos lógicos para a prova do além. “Não há racionalidade discursiva.”

DEPOIMENTO PÓSTUMO: Roberto Serra da Silva Maia, advogado e assessor da 9ª Procuradoria de Justiça do estado de Goiás, escreveu, em abril de 2006, um estudo sobre a psicografia como meio de prova. Ao se debruçar sobre o tema, Maia concluiu que a mensagem psicografada não pode ser admitida como prova judicial por afrontar o princípio da igualdade, liberdade de culto e o princípio do contraditório, pois coloca a parte que não apresentou a carta em posição desigual. Para ele, fica difícil rebater a carta já que é algo que depende de fé. Zanóide afirma que “para qualquer documento ser considerado como prova, ele tem de ser, pelo menos, autêntico”. O advogado explica a diferença entre autenticidade e veracidade. A carta é autêntica se realmente tiver sido escrita pelo médium que a assina, por exemplo. Mas a sua veracidade não pode ser provada. Depende da fé de cada um.

VERACIDADE DA CARTA: A veracidade depende, por exemplo, da credibilidade do médium. Credibilidade da qual Chico Xavier desfrutava mesmo entre aqueles que nem no espiritismo acreditavam. Quando o médium não tem o quilate de Xavier, o exame grafotécnico é a ferramenta buscada para os espíritas. Por ela, acredita-se provar que a letra de quem assina a carta é mesmo do espírito do morto. Para os espíritas, essa prova é necessária para que a carta seja verídica.

MORTO COMO TESTEMUNHA: Ainda que a Justiça esteja aceitando e reconhecendo a validade de cartas psicografadas, os temerosos do sobrenatural podem ficar tranqüilos. Por enquanto, a possibilidade de se depararem com o depoimento de um morto durante um julgamento é nula. Ainda que aceite a prova do além, a Justiça não reconhece o morto como testemunha. “É desconhecer o Direito afirmar que o conteúdo de uma mensagem psicográfica caiba no conceito de prova testemunhal”, diz o juiz Luiz Guilherme. “Morto não é testemunha”, reforça o advogado Podval. A figura do médium encarnado na cadeira dos réus não é aceita na Justiça.

MÉDIUM COMO TESTEMUNHA: Seria o médium, então, uma testemunha? Sabe de fatos e deve depor sobre os mesmos em juízo, sob o compromisso de dizer a verdade, respondendo por falso testemunho, conforme o caso. Outra situação absurda para os padrões processuais, pois o médium nada viu diretamente e não pode ser questionado sobre pretensa mensagem (equivalente a ouvir dizer), proveniente de um morto. Introduzida a comunicação enviada pelo morto, por intermédio do médium, a parte contrária teria o direito de levantar uma questão prejudicial heterogênea: para que a prova seja admitida, convém evidenciar, antes, a existência de vida após a morte.

VIDA APÓS A MORTE: Há vida após a morte? Com qual grau de comunicação com os vivos? Depende-se de fé para essa resposta e o Estado prometeu abster-se de invadir a seara da individualidade humana para que todos acreditassem ou deixassem de acreditar na espiritualidade e em todos os dogmas postos pelas variadas religiões.

CONCLUSÃO: O perigo na utilização da psicografia no processo penal é imenso. Fere-se preceito constitucional de proteção à crença de cada brasileiro; lesa-se o princípio do contraditório; coloca-se em risco a credibilidade das provas produzidas; invade-se a seara da ilicitude das provas; pode-se, inclusive, romper o princípio da ampla defesa. Garantir-se legitimidade à psicografia, como meio de prova, considerando-a lícita, é medida arriscada e temerária. Hoje ela é usada para absolver (quando não há provas para condenar); amanhã, poderá ser usada para condenar. E o processo penal deslocar-se-ia, com isso, do mundo da ciência para o cenário da irracionalidade, da fé e da pura emoção.

Fontes:
Revista Consultor Jurídico, 14/07/2007.
Jornal Carta Forense, 04/05/2009.