Em
sua obra de 1871, A descendência do homem, Darwin apresenta a teoria
dos “sentimentos morais”. Ele não destacou explicitamente as
implicações perturbadoras de sua teoria: a de que nosso senso de
certo e errado, que parece ser uma dádiva divina, é, na verdade, um
produto arbitrário da evolução. Essa ideia de relativismo moral
foi percebida por alguns, como a Edinburgh Review, que previu uma
“revolução no pensamento que sacudirá a sociedade em suas
bases”, destruindo a santidade da consciência e da religião.
O vaticínio não foi infundado. Hoje, a consciência não tem o mesmo peso de antes, e muitos departamentos de filosofia tendem ao niilismo. Essa mudança pode ser atribuída ao impacto de Darwin, que, com A origem das espécies, questionou a criação bíblica e, em A descendência, abalou a posição do senso moral.
Sentimentos como simpatia, empatia, compaixão, culpa, e até mesmo a noção de justiça e de que o bem deve ser recompensado e o mal punido, podem ser vistos como meros vestígios da história orgânica. O próprio discurso moral se torna suspeito; um código moral é um compromisso político, moldado por grupos de interesse. Assim, os valores morais não vêm “do alto”, mas são formados desproporcionalmente pelas partes da sociedade que detêm o poder.
John Stuart Mill, em seu ensaio Nature, já havia argumentado que a natureza opera com indiferença, impondo sofrimento de forma aleatória a todos. Ele questionava o projeto divino ao observar a dor imensa no mundo, a ponto de concluir que, se Deus fosse bom, a natureza seria um "esquema a ser corrigido, e não imitado, pelo Homem". Darwin compartilhava dessa visão, sendo incapaz de conciliar a dor no mundo, como a de vespas que se alimentam de lagartas vivas, com a ideia de um Deus benevolente.
Darwin e Mill viram a solução para essa questão ética no utilitarismo. Mill foi o principal divulgador dessa filosofia, que defende que as ações são boas na medida em que aumentam a felicidade e más quando aumentam o sofrimento. O objetivo é maximizar a felicidade total no mundo. A crença na bondade da felicidade e na maldade do sofrimento é a base fundamental que a maioria das pessoas compartilha. Portanto, o utilitarismo surge como a única base prática para um código moral público e amplamente aceito.
A questão crucial era: por que se preocupar com a felicidade dos outros? A resposta é puramente prática: um sistema de consideração mútua beneficia a todos. Se cada um se abstém de prejudicar o outro, o resultado é uma melhoria geral da vida, sem o custo adicional do medo e da vigilância. Essa lógica, baseada na “soma diferente de zero”, leva à conclusão de que o utilitarismo amplamente praticado melhora a vida de todos. Mill levou essa ideia a um extremo: devemos agir sempre que o benefício para o outro for maior que o nosso próprio esforço, considerando o bem-estar dos outros tão importante quanto o nosso. Essa doutrina radical encontra seu eco na “Regra de Ouro de Jesus de Nazaré”: fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem.
No entanto, Darwin percebeu que sua ética utilitarista contrariava os valores implícitos na seleção natural. A dor e a morte são a base do progresso orgânico, moldando os animais para infligir mais sofrimento. O egoísmo humano, por exemplo, raramente se manifesta de forma evidente; somos projetados para justificar nossas ações, pensando que somos bons e nosso comportamento, defensável. O novo paradigma darwinista, ao expor a maquinaria biológica por trás dessa ilusão, torna o autoengano mais difícil.
Darwin acreditava que a espécie humana é moral, a única nesse sentido. Ele definia um ser moral como aquele capaz de avaliar suas ações passadas e futuras. Embora tenhamos a capacidade técnica de nos submeter ao escrutínio moral, não fomos projetados para isso naturalmente. Para nos tornarmos animais morais, precisamos entender até que ponto não o somos.
No fim de sua vida, Darwin, agnóstico, refletia sobre o significado da vida sem a crença em Deus. Ele acreditava que a maior satisfação vinha do exercício de instintos sociais, como agir para o bem dos outros e conquistar a aprovação e o amor. A razão pode nos levar a agir contra a opinião dos outros, mas a satisfação de seguir nossa própria consciência é uma recompensa. Embora não tenha vivido uma vida perfeitamente utilitarista, Darwin lutou contra as correntes do egoísmo, cuja origem ele foi o primeiro a identificar. Sua vida, embora imperfeita, foi decente e compassiva, uma prova do que os seres humanos são capazes de alcançar.
Baseado no Livro “O Animal Moral”, de Robert Wright – Editora Campus
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