24 de setembro de 2025

O CINISMO DARWINISTA

Nossa generosidade e afeto têm uma finalidade subjacente restrita. São destinadas aos parentes, que compartilham os nossos genes, aos não–parentes do sexo oposto que podem nos ajudar a embalar nossos genes para transmiti–los para a próxima geração, ou aos não–parentes de qualquer sexo que têm probabilidade de retribuir o favor.

E mais, o favor frequentemente implica desonestidade ou malícia; Nós fazemos aos nossos amigos o favor de esquecer seus defeitos, e lembrar (e até ampliar) os defeitos de seus inimigos. A afeição é uma ferramenta de hostilidade. Formamos alianças para tornar as fendas mais profundas. Em nossas amizades, como em outras coisas, somos muito desiguais.

Damos particular valor à afeição de pessoas de posição social elevada, e estamos dispostos a pagar mais por isso – a esperar menos delas, a julgá–las com indulgência. O carinho por um amigo pode diminuir se sua posição cair, ou se simplesmente não subir tanto quanto a nossa. Podemos, para facilitar o esfriamento das relações, justificar nossa atitude. “Ele e eu já não temos tanto em comum quanto antigamente.” Como a posição elevada, por exemplo.

Podemos seguramente chamar isso de uma visão cínica do comportamento. Então, qual é a novidade? Não há nada de revolucionário no cinismo. De fato, alguns o chamariam de história de nossa época – o augusto sucessor da seriedade vitoriana. A mudança da seriedade do século XIX para o cinismo do século XX tem sido creditada, em parte, a Sigmund Freud. A exemplo do neo–darwinismo, o pensamento freudiano descobre espertos propósitos inconscientes em nossos atos mais inocentes. E a exemplo do neo–darwinismo, ele vê uma essência animal no cerne de nosso inconsciente.

Tampouco são apenas essas duas noções que os pensamentos freudiano e darwinista têm em comum. Apesar de todas as críticas que atraiu nas últimas décadas, o freudianismo continua a ser o paradigma comportamental mais influente – acadêmica, moral e espiritualmente – de nosso tempo. E é essa posição que o novo paradigma darwinista aspira.

Tanto o cinismo darwinista quanto freudiano são menos carregados de amargura do que o cinismo cultivado em nosso quintal. Porque sua suspeita da motivação de uma pessoa é, em grande parte, uma suspeita de seus motivos inconscientes, eles veem a pessoa – pelo menos a pessoa consciente – como uma espécie de cúmplice involuntário.

Com efeito, na medida em que a dor é o preço pago por um subterfúgio interior, a pessoa pode merecer compaixão, mas também desconfiança. Todos acabam parecendo vítimas. É a descrição do como e do porquê da vitimização que as duas escolas de pensamento divergem.

Do Livro Animal Moral (Robert Wright)

Nenhum comentário: