24 de setembro de 2025

DICOTOMIA “SANTA–PROSTITUTA”

Nenhum comportamento humano afeta mais obviamente a transmissão de genes do que o sexo. Portanto, nenhuma parte da psicologia humana é uma candidata mais óbvia para a explicação da evolução do que os estados da mente que conduzem ao sexo: puro desejo, encantamento, amor sólido, e assim por diante – as forças básicas entre as quais as pessoas de todo o mundo, chegam a maturidade.

Na época de Darwin, na Inglaterra vitoriana, havia prostitutas, mas sexo com uma mulher “de família”, uma mulher de classe, era pouco palpável, quase impossível na ausência de medidas extremas, tais como o casamento. O grande abismo entre essas duas formas de sexo é um dos elementos mais famosos da moralidade sexual vitoriana: a dicotomia “santa–prostituta”. Havia dois tipos de mulheres: o tipo que um rapaz solteiro desposaria no futuro e o tipo com quem podia se divertir no presente, o tipo que merecia amor e o tipo que despertava apenas desejo.

Outra atitude moral que remonta à era vitoriana é a duplicidade sexual. Embora tal imputação seja enganadora, porque os moralistas vitorianos condenavam veementemente a licenciosidade tanto nos homens quanto nas mulheres, mas a verdade é que as extravagâncias sexuais dos homens despertavam menos censura que as das mulheres. E também é verdade que essa diferença estava estreitamente ligada à dicotomia “santa–prostituta”. 

O grande castigo que aguardava uma mulher vitoriana sexualmente aventureira era ser permanentemente classificada na segunda metade da dicotomia, o que restringia drasticamente suas opções na escolha do marido. Há atualmente uma tendência a rejeitar e a caçoar desses aspectos da moralidade vitoriana. Não há problemas em rejeitá–los, mas caçoar deles é superestimar nossos próprios progressos morais.

O fato é que muitos homens ainda falam abertamente de “vagabundas” e de sua utilidade normal: ótimas para a gente se divertir, mas não para casar. E há homens (cultivados e liberais) que nem sonhariam dizer tal coisa, mas na realidade agem como os demais. O fundamento intelectual da moralidade sexual vitoriana era explícito: mulheres e homens são inerentemente diferentes, especialmente em termos de libido. Dizia o Dr. Acton, “não pode haver dúvida que na mulher o desejo sexual acha–se na maioria dos casos latentes, e mesmo quando despertado (o que em muitos casos jamais acontece) é muito moderado em comparação ao do homem”.

Muitos rapazes são enganados pela visão de “mulheres desregradas ou, no mínimo, vulgares e de baixo nível”. E embarcam no casamento com ideias exageradas sobre satisfação sexual. Não compreendem que “as melhores mães, esposas e donas de casa, pouco ou nada entendem de prazeres sexuais. O amor ao lar, aos filhos e às tarefas domésticas são as únicas paixões que sentem”. Algumas mulheres que se consideram excelentes esposas e mães podem ter outra opinião. E podem ter fortes argumentos a seu favor.

Ainda assim, a ideia de que há algumas diferenças entre apetites sexuais masculino e feminino típicos, e que o apetite sexual masculino é menos exigente, recebe forte respaldo do novo paradigma darwinista. Aliás, a premissa recentemente popular que homens e mulheres têm basicamente naturezas idênticas conta cada dia com menos defensores. Deixou de ser, por exemplo, uma doutrina central do feminismo. Uma escola inteira de feministas – as “feministas da diferença”, ou “essencialistas” – agora aceita que homens e mulheres são profundamente diferentes.

As mulheres promíscuas seriam bem–vindas como parceiras sexuais de curto prazo – e de certa forma até preferíveis, pois pode–se conquistá–las com menos esforço. Mas não serviriam para esposas, por serem um conduto duvidoso para investimento masculino em filhos. Podemos imaginar a corte, entre outras coisas, como um processo de classificar a mulher em uma categoria ou outra. O teste correria mais ou menos assim: se você encontra uma mulher que parece geneticamente apropriada para um investimento, comece a passar muito tempo com ela.

Se parecer interessada em você, mas permanecer sexualmente indiferente, ela passou no teste. Se, por outro lado, parecer ávida para ter uma relação sexual imediatamente, então, por favor, faça sua vontade. Mas se você obteve sexo com tanta facilidade, talvez queira passar do modo investimento para o modo exploração. A avidez que ela demonstrou pode significar que sempre será facilmente seduzida – uma qualidade indesejável em uma esposa.

Naturalmente, no caso de uma determinada mulher, a avidez sexual pode não significar que ela sempre será facilmente seduzida: talvez seja você o único homem irresistível. Mas se existir correlação geral entre a rapidez com que a mulher sucumbe e a sua probabilidade de vir a enganá–lo, então essa rapidez é um indício estatisticamente válido para uma questão de enorme consequência genética.

Confrontada com a complexidade e a frequente imprevisibilidade do comportamento humano, a seleção natural arrisca. Em sua forma extrema, patológica – o complexo santa–prostituta – a dicotomização da mulher deixa o homem incapaz de fazer sexo com a esposa, de tão santa ela lhe parece.

Do Livro Animal Moral (Robert Wright)

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