22 de setembro de 2025

PADRÕES DO PESAR

O calor da generosidade que sentimos com relação aos parentes depende, teoricamente, tanto de nossa idade quanto a idade do parente. Conforme previsto, os pais chorarão mais a morte de um adolescente do que de um bebê de três meses – ou, ainda de acordo com a teoria, de um filho de quarenta anos. 

Não queremos dizer que os pais nunca sentirão mais carinho e proteção por uma criancinha do que por um adolescente. Se, digamos, um bando de assaltantes se aproxima, o impulso natural de uma mãe será agarrar o filhinho antes de fugir, deixando o adolescente se defender sozinho; mas tal impulso existe apenas porque os adolescentes podem se defender sozinhos, não porque sejam menos queridos do que os pequenos.

Conforme previsto, os pais chorarão mais a morte de um adolescente do que de um bebê de três meses – ou, ainda de acordo com a teoria, de um filho de quarenta anos. É tentador desprezar tais resultados: é claro que choramos a morte de um rapaz mais do que um homem mais velho; é obviamente trágico morrer com tanta vida por viver. Ao que os darwinistas respondem: É, mas lembremos – a própria “obviedade” do padrão pode ser produto dos mesmos genes que o criaram.

A maneira com que a seleção natural impõe sua vontade é fazer algumas coisas parecerem “óbvias”, “certas” e “desejáveis”, e, outras, “absurdas”, “erradas” e “repulsivas”. No caso, deveríamos perguntar: Se a longa vida futura de um adolescente é o que faz sua morte parecer triste, por que a morte de um bebê não pareceria ainda mais triste?

Em um estudo canadense de 1989, pediram a adultos que imaginassem a morte de crianças de várias idades e estimassem quais provocariam o maior sentimento de perda dos pais. Os resultados, traçados em um gráfico, mostram que o pesar sobe até quase à adolescência e então começa a cair. Quando essa curva foi comparada a outra que mostrava mudanças no potencial reprodutivo durante o ciclo vital (um padrão calculado com dados demográficos canadense), a correlação tornou-se bastante forte.

Em teoria, e na prática, a afeição das crianças pelos pais também muda com o tempo. Aos olhos impiedosos da seleção natural, a utilidade de nossos pais para nós declina, a partir de um determinado momento, ainda mais rápido do que a nossa para eles. À medida que atravessamos a adolescência, eles vão deixando de ser bancos de dados críticos, provedores e protetores. E quando atravessam a meia-idade, a probabilidade de propagarem nossos genes decresce ainda mais. 

Na época que estão velhos e enfermos, têm pouca ou nenhuma utilidade genética. Mesmo quando atendemos às suas necessidades (ou pagamos alguém para fazê-lo), podemos sentir vestígios de impaciência e mágoa. No fim, nossos pais dependem tanto de nós quanto outrora dependemos deles, porém nós não cuidamos de suas necessidades com o mesmo prazer que eles dedicavam às nossas.

O equilíbrio sempre mutante e quase perenemente desigual da afeição e da obrigação entre pais e filhos é uma das experiências mais agridoces e profundas da vida. E ilustra a imprecisão com que os genes são capazes de abrir e fechar nossas torneiras emocionais.

Embora pareça não haver nenhuma boa razão darwinista para gastar tempo e energia com um pai velho e moribundo, poucos de nós poderiam lhe virar as costas ou o fariam. O núcleo resistente de amor familiar persiste além de sua utilidade evolutiva. A maioria de nós, presumivelmente, se alegra com essa imperfeição do controle genético – embora, é claro, não haja meios de saber qual seria a opinião se os controles fossem mais precisos.

Darwin teve muitas ocasiões para chorar, inclusive as mortes de três dos seus dez filhos e de seu pai. A morte do terceiro filho de Darwin, Mary Eleonor, sobreveio apenas três semanas após seu nascimento, em 1842. Darwin e Emma ficaram inegavelmente tristes, e o enterro foi penoso para Charles, mas não há indícios de ter sentido um pesar avassalador ou duradouro. A morte do último filho de Darwin, Charles Waring, deveria também, em teoria, ter sido um golpe passageiro. Ele era criança – um ano e meio – e retardado. Uma das previsões darwinistas mais diretas é que os pais terão cuidado relativamente menor com crianças deficientes, pois seu valor reprodutivo é insignificante. A morte do pai de Charles Darwin, em 1848, tampouco seria devastadora. Charles era àquela altura independente e sus pai, aos oitenta e dois anos, esgotara seu potencial reprodutivo.

Claramente distinta desses três casos foi a morte da filha de Darwin, Annie, em 1951, após uma doença recorrente que começara no ano anterior. A menina tinha então dez anos de idade e faltava pouco para seu potencial reprodutivo atingir o máximo. Poucos dias depois de sua morte, Darwin compôs um memorial sobre Annie em um tom sensivelmente diferente do memorial sobre Charles Waring. “Sua felicidade e animação se irradiava de todo o seu corpo, tornando cada movimento elástico e cheio de vida e vigor. 

Era prazeroso e divertido contemplá-la. Seu rosto querido agora surge diante de mim, como era nas ocasiões em que descia as escadas correndo, com uma pitada de rapé que roubara de mim, toda a sua forma radiosa com o prazer de dar prazer... Quando eu lhe dava água, dizia Muito obrigado mesmo; e essas creio, foram as últimas e preciosas palavras que seus lábios queridos me dirigiram”. E escreveu para terminar, “Perdemos a alegria da casa e o consolo de nossa velhice. Ela deve ter sabido o quanto a amávamos”.

Annie, ao que parece, era a filha favorita de Darwin. Era inteligente e talentosa (“um segundo Mozart”, Darwin comentara certa vez”) – qualidades que teriam elevado seu valor no mercado de casamentos e, em consequência, seu potencial reprodutivo. E era uma criança exemplar, um modelo de generosidade, moral, e boas maneiras. Em 1881, depois que o irmão de Darwin, Erasmus, morreu, menos de um ano antes da morte do próprio Darwin, ele foi induzido a comentar, em uma carta ao amigo Joseph Hooker, a diferença entre “a morte do velho e do jovem”. Ele escreveu que “A morte, neste último caso, quando existe um futuro brilhante a viver, causa um pesar que jamais chega a ser inteiramente obliterado”.

Do Livro Animal Moral (Robert Wright)

Os ventos que às vezes tiram algo que amamos, são os mesmos que trazem algo que aprendemos a amar. Por isso não devemos chorar pelo que nos foi tirado, e sim aprender a amar o que nos foi dado. Pois tudo aquilo que é realmente nosso, nunca se vai para sempre”. (frase atribuída a Bob Marley)

Nenhum comentário: