O
calor da generosidade que sentimos com relação aos parentes
depende, teoricamente, tanto de nossa idade quanto a idade do
parente. Conforme previsto, os pais chorarão mais a morte de um
adolescente do que de um bebê de três meses – ou, ainda de acordo
com a teoria, de um filho de quarenta anos.
Não queremos dizer que
os pais nunca sentirão mais carinho e proteção por uma criancinha
do que por um adolescente. Se, digamos, um bando de assaltantes se
aproxima, o impulso natural de uma mãe será agarrar o filhinho
antes de fugir, deixando o adolescente se defender sozinho; mas tal
impulso existe apenas porque os adolescentes podem se defender
sozinhos, não porque sejam menos queridos do que os pequenos.
Conforme
previsto, os pais chorarão mais a morte de um adolescente do que de
um bebê de três meses – ou, ainda de acordo com a teoria, de um
filho de quarenta anos. É tentador desprezar tais resultados: é
claro que choramos a morte de um rapaz mais do que um homem mais
velho; é obviamente trágico morrer com tanta vida por viver. Ao que
os darwinistas respondem: É, mas lembremos – a própria
“obviedade” do padrão pode ser produto dos mesmos genes que o
criaram.
A
maneira com que a seleção natural impõe sua vontade é fazer
algumas coisas parecerem “óbvias”, “certas” e “desejáveis”,
e, outras, “absurdas”, “erradas” e “repulsivas”. No caso,
deveríamos perguntar: Se a longa vida futura de um adolescente é o
que faz sua morte parecer triste, por que a morte de um bebê não
pareceria ainda mais triste?
Em
um estudo canadense de 1989, pediram a adultos que imaginassem a
morte de crianças de várias idades e estimassem quais provocariam o
maior sentimento de perda dos pais. Os resultados, traçados em um
gráfico, mostram que o pesar sobe até quase à adolescência e
então começa a cair. Quando essa curva foi comparada a outra que
mostrava mudanças no potencial reprodutivo durante o ciclo vital (um
padrão calculado com dados demográficos canadense), a correlação
tornou-se bastante forte.
Em
teoria, e na prática, a afeição das crianças pelos pais também
muda com o tempo. Aos olhos impiedosos da seleção natural, a
utilidade de nossos pais para nós declina, a partir de um
determinado momento, ainda mais rápido do que a nossa para eles. À
medida que atravessamos a adolescência, eles vão deixando de ser
bancos de dados críticos, provedores e protetores. E quando
atravessam a meia-idade, a probabilidade de propagarem nossos genes
decresce ainda mais.
Na época que estão velhos e enfermos, têm
pouca ou nenhuma utilidade genética. Mesmo quando atendemos às suas
necessidades (ou pagamos alguém para fazê-lo), podemos sentir
vestígios de impaciência e mágoa. No fim, nossos pais dependem
tanto de nós quanto outrora dependemos deles, porém nós não
cuidamos de suas necessidades com o mesmo prazer que eles dedicavam
às nossas.
O
equilíbrio sempre mutante e quase perenemente desigual da afeição
e da obrigação entre pais e filhos é uma das experiências mais
agridoces e profundas da vida. E ilustra a imprecisão com que os
genes são capazes de abrir e fechar nossas torneiras emocionais.
Embora pareça não haver nenhuma boa razão darwinista para gastar
tempo e energia com um pai velho e moribundo, poucos de nós poderiam
lhe virar as costas ou o fariam. O núcleo resistente de amor
familiar persiste além de sua utilidade evolutiva. A maioria de nós,
presumivelmente, se alegra com essa imperfeição do controle
genético – embora, é claro, não haja meios de saber qual seria a
opinião se os controles fossem mais precisos.
Darwin
teve muitas ocasiões para chorar, inclusive as mortes de três dos
seus dez filhos e de seu pai. A morte do terceiro filho de Darwin,
Mary Eleonor, sobreveio apenas três semanas após seu nascimento, em
1842. Darwin e Emma ficaram inegavelmente tristes, e o enterro foi
penoso para Charles, mas não há indícios de ter sentido um pesar
avassalador ou duradouro. A morte do último filho de Darwin, Charles
Waring, deveria também, em teoria, ter sido um golpe passageiro. Ele
era criança – um ano e meio – e retardado. Uma das previsões
darwinistas mais diretas é que os pais terão cuidado relativamente
menor com crianças deficientes, pois seu valor reprodutivo é
insignificante. A morte do pai de Charles Darwin, em 1848, tampouco
seria devastadora. Charles era àquela altura independente e sus pai,
aos oitenta e dois anos, esgotara seu potencial reprodutivo.
Claramente
distinta desses três casos foi a morte da filha de Darwin, Annie, em
1951, após uma doença recorrente que começara no ano anterior. A
menina tinha então dez anos de idade e faltava pouco para seu
potencial reprodutivo atingir o máximo. Poucos dias depois de sua
morte, Darwin compôs um memorial sobre Annie em um tom sensivelmente
diferente do memorial sobre Charles Waring. “Sua felicidade e
animação se irradiava de todo o seu corpo, tornando cada movimento
elástico e cheio de vida e vigor.
Era prazeroso e divertido
contemplá-la. Seu rosto querido agora surge diante de mim, como era
nas ocasiões em que descia as escadas correndo, com uma pitada de
rapé que roubara de mim, toda a sua forma radiosa com o prazer de
dar prazer... Quando eu lhe dava água, dizia Muito
obrigado mesmo; e essas creio, foram
as últimas e preciosas palavras que seus lábios queridos me
dirigiram”. E escreveu para terminar, “Perdemos a alegria da casa
e o consolo de nossa velhice. Ela deve ter sabido o quanto a
amávamos”.
Annie,
ao que parece, era a filha favorita de Darwin. Era inteligente e
talentosa (“um segundo Mozart”, Darwin comentara certa vez”) –
qualidades que teriam elevado seu valor no mercado de casamentos e,
em consequência, seu potencial reprodutivo. E era uma criança
exemplar, um modelo de generosidade, moral, e boas maneiras. Em 1881,
depois que o irmão de Darwin, Erasmus, morreu, menos de um ano antes
da morte do próprio Darwin, ele foi induzido a comentar, em uma
carta ao amigo Joseph Hooker, a diferença entre “a morte do velho
e do jovem”. Ele escreveu que “A morte, neste último caso,
quando existe um futuro brilhante a viver, causa um pesar que jamais
chega a ser inteiramente obliterado”.
Do
Livro Animal Moral (Robert Wright)
“Os
ventos que às vezes tiram algo que amamos, são os mesmos que trazem
algo que aprendemos a amar. Por isso não devemos chorar pelo que nos
foi tirado, e sim aprender a amar o que nos foi dado. Pois tudo
aquilo que é realmente nosso, nunca se vai para sempre”. (frase
atribuída a Bob Marley)
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