24 de setembro de 2025

O ALTRUÍSMO RECÍPROCO

O melhor de Freud é sua percepção do paradoxo de sermos animais extremamente sociáveis: sermos no cerne libidinosos, gananciosos e de um modo geral egoístas e, no entanto, termos que viver educadamente com outros seres humanos – termos que alcançar nossas metas animais por meio de uma tortuosa via de cooperação, conciliação e contenção, sendo a mente um lugar de conflito entre os impulsos animais e a realidade social.

Trivers, por sugestão de William Hamilton, utilizou um jogo clássico chamado dilema do prisioneiro. Dois parceiros de crime estão sendo interrogados separadamente e enfrenta uma difícil decisão. O Estado não dispõe de provas para condená–los pela grave violação que cometeram, mas dispõe de provas para condenar ambos por um crime menor – digamos, a um ano de prisão cada. O promotor, querendo uma pena mais severa, pressiona cada homem, isoladamente, a confessar e implicar o outro. Diz:

(1) Se você confessar, mas seu parceiro não, eu liberto você e uso seu testemunho para condenar seu parceiro a dez anos de prisão. O reverso da oferta é uma ameaça:

(2) Se você não confessar e seu parceiro o fizer, você é que vai para a prisão por dez anos.

(3) E se você confessar e seu parceiro também confessar, condeno os dois à prisão, mas por apenas três anos.

Se você estivesse no lugar de um dos prisioneiros, e pesasse suas opções uma a uma, quase certamente se decidiria por confessar – por “trair” seu parceiro. Suponha, para começar, que seu parceiro o traia. Então você estará melhor se trair: receberá três anos de prisão, em vez de dez que receberia se ficasse calado, enquanto ele confessa. Agora, suponhamos que ele não o traia. Você ainda estará melhor se o trair: porque confessando, enquanto ele se cala, você é libertado; mas se você também se mantiver calado receberá um ano de prisão. Assim, a lógica parece irresistível: traia seu parceiro.

Contudo, se os dois parceiros seguirem essa lógica quase irresistível, e traírem um ao outro, passarão três anos na prisão, quando ambos poderiam ter escapado com apenas um ano se tivessem permanecido mutuamente fiéis e de boca fechada. Se ao menos pudessem ter–se comunicado e feito um acordo – então teria nascido a cooperação e ambos se sairiam bem. A traição mútua equivale a nenhum dos dois animais fazerem favor algum: embora ambos pudessem se beneficiar do altruísmo recíproco, nenhum dos dois quer arriscar a pele. A fidelidade mútua é como única rodada bem–sucedida de altruísmo recíproco – um favor feito e retribuído.

Levando tudo em conta, a equivalência entre o modelo e a realidade é bastante boa. A lógica que levaria à cooperação no dilema reiterado do prisioneiro é com razoável precisão a mesma que levaria ao altruísmo recíproco na natureza. A essência dessa lógica, nos dois casos, é o somatório diferente de zero. A característica essencial do somatório diferente de zero é que, mediante a cooperação, ou a retribuição, ambos os jogadores saem ganhando. A divisão do trabalho é uma fonte comum de somatórios diferentes de zero.

Darwin, durante a evolução humana, afirmou em The descent of man, “a medida que a capacidade de raciocínio e previsão se aperfeiçoam, os homens não tardariam a aprender por experiência que se ajudassem seus iguais, normalmente receberiam ajuda em retribuição. Por esse motivo mesquinho o homem talvez tivesse adquirido o hábito de ajudar seus iguais; e o hábito de praticar boas ações certamente fortalece o sentimento de solidariedade, que dá o primeiro impulso às boas ações”.

A Gratidão faz as pessoas pagarem os favores sem pensar muito que é isto que estão fazendo. E se sentimos mais compaixão por determinadas pessoas – pessoas, por exemplo, a que somos gratos – isto pode nos levar, de novo quase inconscientemente, a retribuir o ato de bondade.
Uma reação comum à teoria do altruísmo recíproco é o mal–estar. 

Algumas pessoas se perturbam com a ideia que seus impulsos mais nobres nasçam das manobras mais ardilosas de seus genes. Não é uma reação necessária, mas para aqueles que a têm provavelmente se justificaria uma imersão total. Se de fato raízes geneticamente egoístas da solidariedade e da bondade são motivos de desespero, então que seja um desespero extremo. Pois, quanto mais se reflete sobre pontos positivos do altruísmo, tanto mais mercenário os genes parecem.

Consideramos mais uma vez a questão da solidariedade – em particular, sua tendência a crescer proporcionalmente à gravidade da situação de uma pessoa. Por que nos sentimos mais tristes diante de um homem à míngua de comida do que de um homem apenas faminto? Por que o espírito humano é algo magnânimo, devotado a minorar o sofrimento? Tente adivinhar outra vez.

Trivers abordou esta questão perguntando por que a gratidão em si varia conforme a situação da qual a pessoa grata é salva. Por que alguém se sente extremamente grato por um sanduíche salvador após passar três dias na selva e moderadamente grato por um jantar gratuito na mesma noite? A resposta de Trivers é simples, crível, e nem tão surpreendente: a gratidão, ao refletir o valor do benefício recebido, calibra a retribuição adequada. A gratidão é uma “promissória”, portanto registra naturalmente o que é devido.

Para o benfeitor, a moral da história é clara: quanto mais desesperada a situação do beneficiário, tanto maior a promissória. A solidariedade finamente sensível é apenas um conselho de investimento excepcionalmente nuançado. Nossa mais profunda compaixão é a nossa melhor busca pela melhor oferta.

A maioria de nós verá com desprezo um médico de pronto–socorro que quintuplicasse seus honorários para tratar pacientes à beira da morte. Nós o chamaríamos de explorador insensível. E perguntaríamos: “Será que o senhor não tem noção de solidariedade?” E se ele tivesse lido Trivers, responderia: “Tenho, e muita. Só estou sendo honesto quanto ao significado da minha solidariedade”. Isto seria um balde de água fria em nossa indignação.

Quando passamos por uma pessoa sem–teto, podemos nos sentir mal por não ajudá–la. Mas o que realmente faz a consciência doer é olhar nos olhos da pessoa e ainda assim não ajudar. Aparentemente não nos incomodamos tanto em não dar, quanto em sermos observados não dando. E a razão de nos importamos coma opinião de alguém que jamais voltaremos a ver: talvez em nosso ambiente ancestral quase todos que encontrávamos eram pessoas que poderíamos muito bem tornar a encontra.

Na verdade, o altruísmo recíproco da variedade individualizada pode, por si, produzir um comportamento pretensamente coletivista. Em uma espécie dotada de linguagem, uma maneira eficaz e pouco trabalhosa de premiar pessoas boas e punir as más é afetar sua reputação. Espalhar a notícia de que alguém foi desonesto com você é uma retaliação poderosa, pois leva a pessoas a não serem altruístas com ele, receosas de se verem prejudicadas.

Isto talvez ajude a explicar a evolução da “injúria” – não apenas o sentimento de ter sido injustiçado, mas a compulsão de expressar isto publicamente. Donde a hipocrisia; o que parece fluir de duas forças naturais: a tendência a injuriar – a divulgar os pecados dos outros – e a tendência a disfarçar os próprios pecados.

Talvez o desânimo mais legítimo provocado pelo altruísmo recíproco é que é uma designação imprópria. Enquanto na seleção de parentesco o “objetivo” de nossos genes é realmente ajudar outro organismo, no altruísmo recíproco o objetivo é deixar aquele organismo sob a impressão de que o ajudamos; a simples impressão é suficiente para suscitar a retribuição.

Do Livro Animal Moral (Robert Wright)

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