JUSTIÇA VALIDA CARTA PSICOGRAFADA: A carta psicografada usada na defesa de uma mulher acusada de mandar matar um tabelião em 2003 foi validada pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) em 11/11/2009. Para o desembargador Marco Antonio Ribeiro de Oliveira, que presidiu a sessão, havia provas para a absolvição e condenação, cabendo aos jurados decidirem. Na mesma linha, o desembargador José Antonio Hirt Preiss ressaltou que o júri entendeu não haver provas para a condenação. Como os jurados não fundamentam seus votos, é improvável que se descubra o real peso da carta psicografada.
ESTADO LAICO: Dentro do universo jurídico, não há nada de errado na atitude da Justiça. Nada impede que cartas psicografadas sejam usadas como provas judiciais, assim como não há nenhum problema de o réu jurar pela Bíblia que não cometeu o crime ou ainda justificar seu ato como uma obrigação de fé. Para os especialistas, lançar mão de argumentos religiosos não viola a característica laica do Estado Brasileiro. Apenas confirma. “Dizer que o Estado é laico significa dizer que ele não tem religião oficial, e não que ele não aceita a religião”, explica Maurício Zanóide, advogado criminalista e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). No entanto, considera que a carta não pode ser usada como única prova já que depende exclusivamente da fé. Afinal, não há argumentos lógicos para a prova do além. “Não há racionalidade discursiva.”
DEPOIMENTO PÓSTUMO: Roberto Serra da Silva Maia, advogado e assessor da 9ª Procuradoria de Justiça do estado de Goiás, escreveu, em abril de 2006, um estudo sobre a psicografia como meio de prova. Ao se debruçar sobre o tema, Maia concluiu que a mensagem psicografada não pode ser admitida como prova judicial por afrontar o princípio da igualdade, liberdade de culto e o princípio do contraditório, pois coloca a parte que não apresentou a carta em posição desigual. Para ele, fica difícil rebater a carta já que é algo que depende de fé. Zanóide afirma que “para qualquer documento ser considerado como prova, ele tem de ser, pelo menos, autêntico”. O advogado explica a diferença entre autenticidade e veracidade. A carta é autêntica se realmente tiver sido escrita pelo médium que a assina, por exemplo. Mas a sua veracidade não pode ser provada. Depende da fé de cada um.
VERACIDADE DA CARTA: A veracidade depende, por exemplo, da credibilidade do médium. Credibilidade da qual Chico Xavier desfrutava mesmo entre aqueles que nem no espiritismo acreditavam. Quando o médium não tem o quilate de Xavier, o exame grafotécnico é a ferramenta buscada para os espíritas. Por ela, acredita-se provar que a letra de quem assina a carta é mesmo do espírito do morto. Para os espíritas, essa prova é necessária para que a carta seja verídica.
MORTO COMO TESTEMUNHA: Ainda que a Justiça esteja aceitando e reconhecendo a validade de cartas psicografadas, os temerosos do sobrenatural podem ficar tranqüilos. Por enquanto, a possibilidade de se depararem com o depoimento de um morto durante um julgamento é nula. Ainda que aceite a prova do além, a Justiça não reconhece o morto como testemunha. “É desconhecer o Direito afirmar que o conteúdo de uma mensagem psicográfica caiba no conceito de prova testemunhal”, diz o juiz Luiz Guilherme. “Morto não é testemunha”, reforça o advogado Podval. A figura do médium encarnado na cadeira dos réus não é aceita na Justiça.
MÉDIUM COMO TESTEMUNHA: Seria o médium, então, uma testemunha? Sabe de fatos e deve depor sobre os mesmos em juízo, sob o compromisso de dizer a verdade, respondendo por falso testemunho, conforme o caso. Outra situação absurda para os padrões processuais, pois o médium nada viu diretamente e não pode ser questionado sobre pretensa mensagem (equivalente a ouvir dizer), proveniente de um morto. Introduzida a comunicação enviada pelo morto, por intermédio do médium, a parte contrária teria o direito de levantar uma questão prejudicial heterogênea: para que a prova seja admitida, convém evidenciar, antes, a existência de vida após a morte.
VIDA APÓS A MORTE: Há vida após a morte? Com qual grau de comunicação com os vivos? Depende-se de fé para essa resposta e o Estado prometeu abster-se de invadir a seara da individualidade humana para que todos acreditassem ou deixassem de acreditar na espiritualidade e em todos os dogmas postos pelas variadas religiões.
CONCLUSÃO: O perigo na utilização da psicografia no processo penal é imenso. Fere-se preceito constitucional de proteção à crença de cada brasileiro; lesa-se o princípio do contraditório; coloca-se em risco a credibilidade das provas produzidas; invade-se a seara da ilicitude das provas; pode-se, inclusive, romper o princípio da ampla defesa. Garantir-se legitimidade à psicografia, como meio de prova, considerando-a lícita, é medida arriscada e temerária. Hoje ela é usada para absolver (quando não há provas para condenar); amanhã, poderá ser usada para condenar. E o processo penal deslocar-se-ia, com isso, do mundo da ciência para o cenário da irracionalidade, da fé e da pura emoção.
Fontes:
Revista Consultor Jurídico, 14/07/2007.
Jornal Carta Forense, 04/05/2009.
ESTADO LAICO: Dentro do universo jurídico, não há nada de errado na atitude da Justiça. Nada impede que cartas psicografadas sejam usadas como provas judiciais, assim como não há nenhum problema de o réu jurar pela Bíblia que não cometeu o crime ou ainda justificar seu ato como uma obrigação de fé. Para os especialistas, lançar mão de argumentos religiosos não viola a característica laica do Estado Brasileiro. Apenas confirma. “Dizer que o Estado é laico significa dizer que ele não tem religião oficial, e não que ele não aceita a religião”, explica Maurício Zanóide, advogado criminalista e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). No entanto, considera que a carta não pode ser usada como única prova já que depende exclusivamente da fé. Afinal, não há argumentos lógicos para a prova do além. “Não há racionalidade discursiva.”
DEPOIMENTO PÓSTUMO: Roberto Serra da Silva Maia, advogado e assessor da 9ª Procuradoria de Justiça do estado de Goiás, escreveu, em abril de 2006, um estudo sobre a psicografia como meio de prova. Ao se debruçar sobre o tema, Maia concluiu que a mensagem psicografada não pode ser admitida como prova judicial por afrontar o princípio da igualdade, liberdade de culto e o princípio do contraditório, pois coloca a parte que não apresentou a carta em posição desigual. Para ele, fica difícil rebater a carta já que é algo que depende de fé. Zanóide afirma que “para qualquer documento ser considerado como prova, ele tem de ser, pelo menos, autêntico”. O advogado explica a diferença entre autenticidade e veracidade. A carta é autêntica se realmente tiver sido escrita pelo médium que a assina, por exemplo. Mas a sua veracidade não pode ser provada. Depende da fé de cada um.
VERACIDADE DA CARTA: A veracidade depende, por exemplo, da credibilidade do médium. Credibilidade da qual Chico Xavier desfrutava mesmo entre aqueles que nem no espiritismo acreditavam. Quando o médium não tem o quilate de Xavier, o exame grafotécnico é a ferramenta buscada para os espíritas. Por ela, acredita-se provar que a letra de quem assina a carta é mesmo do espírito do morto. Para os espíritas, essa prova é necessária para que a carta seja verídica.
MORTO COMO TESTEMUNHA: Ainda que a Justiça esteja aceitando e reconhecendo a validade de cartas psicografadas, os temerosos do sobrenatural podem ficar tranqüilos. Por enquanto, a possibilidade de se depararem com o depoimento de um morto durante um julgamento é nula. Ainda que aceite a prova do além, a Justiça não reconhece o morto como testemunha. “É desconhecer o Direito afirmar que o conteúdo de uma mensagem psicográfica caiba no conceito de prova testemunhal”, diz o juiz Luiz Guilherme. “Morto não é testemunha”, reforça o advogado Podval. A figura do médium encarnado na cadeira dos réus não é aceita na Justiça.
MÉDIUM COMO TESTEMUNHA: Seria o médium, então, uma testemunha? Sabe de fatos e deve depor sobre os mesmos em juízo, sob o compromisso de dizer a verdade, respondendo por falso testemunho, conforme o caso. Outra situação absurda para os padrões processuais, pois o médium nada viu diretamente e não pode ser questionado sobre pretensa mensagem (equivalente a ouvir dizer), proveniente de um morto. Introduzida a comunicação enviada pelo morto, por intermédio do médium, a parte contrária teria o direito de levantar uma questão prejudicial heterogênea: para que a prova seja admitida, convém evidenciar, antes, a existência de vida após a morte.
VIDA APÓS A MORTE: Há vida após a morte? Com qual grau de comunicação com os vivos? Depende-se de fé para essa resposta e o Estado prometeu abster-se de invadir a seara da individualidade humana para que todos acreditassem ou deixassem de acreditar na espiritualidade e em todos os dogmas postos pelas variadas religiões.
CONCLUSÃO: O perigo na utilização da psicografia no processo penal é imenso. Fere-se preceito constitucional de proteção à crença de cada brasileiro; lesa-se o princípio do contraditório; coloca-se em risco a credibilidade das provas produzidas; invade-se a seara da ilicitude das provas; pode-se, inclusive, romper o princípio da ampla defesa. Garantir-se legitimidade à psicografia, como meio de prova, considerando-a lícita, é medida arriscada e temerária. Hoje ela é usada para absolver (quando não há provas para condenar); amanhã, poderá ser usada para condenar. E o processo penal deslocar-se-ia, com isso, do mundo da ciência para o cenário da irracionalidade, da fé e da pura emoção.
Fontes:
Revista Consultor Jurídico, 14/07/2007.
Jornal Carta Forense, 04/05/2009.
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