21 de outubro de 2025

A MÚSICA DE MINHA VIDA

Ouvir concentradamente a Partita II de Bach (BWV1004),coroada pelo monumental quinto movimento (Ciaccona),constitui, a experiência religiosa por excelência: o restabelecimento do vínculo sagrado com a totalidade do universo e o retorno a uma síntese primeira, anterior à cisão da autoconsciência e à dor de formas repartidas.

O que pode qualquer metafísica ou religião instituída, calcada no miasma de uma doutrina, diante da verdade infinita – a espiritualidade em estado puro – que emana da música de Bach? A dádiva, muitas vezes, reside apenas em lembrai que esse espaço-tempo do sagrado existe, ou seja, que ele está lá, ao nosso alcance, como um elixir que nos permite escapar do circuito profano das miudezas do mundo – a cidade em que vozes e buzinas se confundem – para ingressar por inteiro no universo paralelo da espiritualidade atemporal de Bach.

A vida oprime, o som liberta. Como é possível que um único instrumento apenas – possa deflagrar uma arquitetura polifônica de tamanha beleza e complexidade? Que misterioso dom de transporte esse, capaz de nos conduzir a um mundo psicoacústico de formas puras e perfeitas – um mundo sem máculas e arestas e diante do qual aquele em que nos é dado existir não passa de arremedo e exílio?

A música permite um grau de absorção e imersão a quem a ela se entrega que nenhuma outra arte é capaz de proporcionar. Nela apenas se pode abstrair de tudo o que existe e mergulhar no universo paralelo da completa transcendência.

A alma embalada pelo som quando sonha, desligada do corpo e dos demais sentidos, refaz o mundo a seu modo – é criadora e criação de si mesma. Para onde vai o tempo enquanto estamos mergulhados, em estado de absorta concentração, na música das esferas de Bach?

Os pouco mais de 25 minutos da Partita II bastam para escancarar o que há de errado com a ideia de se medir e domesticar o tempo, submetendo-o à contagem uniforme e mecânica dos relógios – o intervalo finito demarcado por suas notas de abertura e encerramento contém em si a eternidade.

EDUARDO GIANNETTI é sociólogo e economista formado pela USP e PhD, em economia pela Universidade de Cambridge. Revista Diapason – nr. 1/ 2006

https://www.youtube.com/watch?v=lWvlv3W8jo

https://www.youtube.com/watch?v=ai8NiHI1-eo

https://www.youtube.com/watch?v=ixGv5CQky8s

https://www.youtube.com/watch?v=JNEnzNHTkd8

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