O
eterno retorno é um teste ético. Pode ser tanto uma bênção, para
quem ama a vida, quanto uma maldição para quem espera uma
recompensa em um pós-vida. Ao deixar de lado religiões e
metafísicas, essa filosofia coloca o indivíduo no centro,
tornando-o criador de seus próprios valores. A doutrina do eterno
retorno é um processo seletivo: uma análise dos momentos da vida
que valem a pena ser vividos. Não se trata de uma teorização de
fatos naturais, mas de uma proposta de sabedoria para uma vida boa.
Nietzsche defende que essa seleção não deve ser feita com base em
valores que transcendem a vida, como os de religiões ou outras
filosofias que se aplicam a todos.
A pergunta central é: “Você agiria da mesma forma se tivesse que viver este instante infinitas vezes?” Essa questão se torna o eixo de gravidade de sua vida. Viver de tal maneira que você deseje reviver cada momento é o dever. O eterno retorno não tem inferno ou ameaças. Aqueles que não acreditam simplesmente terão uma vida fugaz, sem intensidade.
O eterno retorno não significa viver a mesma coisa para sempre, mas sim desejar que um instante não acabe nunca. Se o seu desejo mudar amanhã, o que importa é o que você sente naquele momento. Para Nietzsche, um compromisso para "sempre" o prenderia a um fardo institucional, afastando-o do seu próprio desejo. A doutrina não tem pretensão de universalidade ao mencionar os opostos de esforço e repouso.
O que os une é a alegria, que Spinoza define como o amor. Para aplicar o eterno retorno, é preciso não apenas sentir, mas ter consciência do que se sente, para assim discernir a vida que vale a pena da que não vale. Essa filosofia se opõe ao utilitarismo, que busca a felicidade da maioria, e ao pragmatismo, que coloca a razão de agir em um resultado futuro. Para Nietzsche, quatro anos de vida em uma faculdade não podem ser avaliados pelo quinto, pois isso é avaliar a vida fora da vida. Cada segundo deve valer por si mesmo.
O eterno retorno é um sintoma do seu corpo, não uma verdade universal. Ele diz respeito a um presente que não vira passado, que permanece. A fugacidade de uma vida sem o eterno retorno significa entregar-se ao niilismo. Ouse tudo! Não tente adequar sua vida a modelos nem seja um modelo para ninguém. Viva o que você é, não por princípios, mas pelo fogo da vida que queima dentro de você.
Transcrição de textos e vídeos do professor Clóvis de Barros Filho, filósofo e docente de Ética na Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA/USP).
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