16 de outubro de 2025

O DEUS DE SPINOZA

Ora meus amigos, até aqui, perceba, que essas demonstrações da existência de deus sempre fazem alusão a um deus transcendente e criador. Uma segunda perspectiva de deus, ainda transcendente ao homem, é o deus de Espinosa.

O deus de Espinosa é o todo, o deus de Espinosa é tudo o que é. Desta maneira, deus de Espinosa não está no meio de nós, o deus de Espinosa é nós. O deus de Espinosa são todos os entes em relação. O deus de Espinosa é mundo. Você dirá é parecido com os estoicos, parecido, mas só parecido, por quê? Por que para os estoicos o divino é a relação do corpo com a sua finalidade e a maravilha do corpo frente a sua finalidade. Para Espinosa a finalidade é uma ilusão. Ele já sabia que o todo universal não é cósmico, e, portanto, o deus de Espinosa é o real como ele é, caótico, torto, injusto, asqueroso, feio e medonho. O deus de Espinosa é o mundo nas suas relações.

Você poderia perguntar me perguntar: por que chamar de deus o que não é deus como nós conhecemos? E Espinosa responde: porque o meu deus tem as mesmas características, mesmos atributos do seu deus. Como assim? O deus cristão não é onipotente? O meu também é, ele é toda a potência. O deus cristão não é onisciente? O meu também é, ele é toda a ciência. O deus cristão não é onipresente? O meu também é, ele é tudo o que é. O deus cristão não é eterno? O meu também é.

Você olharia para mim e perguntaria, mas como o real é eterno? É, e aqui vem, o fabuloso, o real não morre, o mundo não morre, o universo não morre, deus não morre, o todo não morre, quem morre são as partes que o constituem. Porque morremos de nos encontrar, morremos de nos relacionar, morremos porque nos afetamos uns aos outros, morremos de tristeza, morremos de perder potência, morremos porque nos relacionamos entre nós, mas o todo, porque é todo, não se relaciona com nada, portanto, não morre, não se entristece. Nós morremos em nome de deus diz Espinosa, jamais o contrário.

É mais ou menos como no seu corpo, as células vão morrendo e você continua vivo. Só que você além de ser constituído por partes, é parte do todo, por isso morre também, você que célula de deus, deus que é o todo. Perceba a diferença: para o cristão deus está no meio de nós, para Espinosa é nós. É totalmente diferente, para os cristãos deus é criador e nós criaturas, para Espinosa deus é criador e criatura ao mesmo tempo.

Dou-vos um exemplo definitivo. Estudando lá com os jesuítas, fui a uma confissão e o padre me perguntou: e ai, como vai a masturbação. Eu me surpreendi com a pergunta e respondi: vai bem. O padre disse: cuidado mocinho porque deus vê tudo, ele está em todas as partes. Aquilo produziu sobre mim um efeito devastador. Aquelas idas rápidas ao banheiro do colégio foram acompanhadas de deus. O padre Dutra tinha garantido que deus vê tudo, com olhos que atravessam tudo.

Portanto perceba que na perspectiva cristã, quando eu ia para o banheiro do colégio com a revista, entravamos eu, a revista e deus. O deus de Espinosa entra também, só que em mim. O deus de Espinosa é o ato, o deus de Espinosa é o movimento onanista, o deus de Espinosa é o orgasmo, o deus de Espinosa é a depressão pós orgásmica. O deus de Espinosa é o que é.

E daí, e daí que o deus de Espinosa sendo o que é, ele não julga, porque ele não é terceiro em relação à conduta, ele é o agente. O deus de Espinosa sendo o que é, ele não condena, ele é o que é, o estupro do recém nascido. O deus de Espinosa é o que é, o real como ele é. O real sendo o que é, ele não carrega com ele nenhuma ideia de justiça, porque a perspectiva uma justiça equilibrada, equidistante e compensatória, é só um delírio humano.

Transcrição de textos e vídeos do professor Clóvis de Barros Filho, filósofo e docente de Ética na Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA/USP).

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